Como negociar contrapartidas?

Estoque de madeira.
Estoque de madeira.

Redação AECweb / Construmarket


Em momentos de mercado em crise, é comum que as construtoras procurem negociar contrapartidas com seus fornecedores para a redução de custos de materiais e serviços. Porém, é preciso cuidado para evitar práticas predatórias, que inviabilizem o negócio.

“Em alguns casos, esse oportunismo predatório está ocorrendo”, alerta o engenheiro Paulo Sérgio de Arruda Ignácio, professor doutor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Em um ambiente de poucas obras, os pequenos fornecedores perderam o seu poder de barganha, que acabou concentrado nas médias e grandes empresas.

“Como as de menor porte trabalham com custos e margens menores, muitas vezes é preferível descontinuar o negócio do que aceitar contratos com valores abaixo do viável”, diz. Para ele, negociações mais agressivas com alguns segmentos da cadeia produtiva retroagiram ao período anterior a 2006.

Na análise do professor, a prática é perigosa para a continuidade dos pequenos e médios negócios, principalmente de fabricantes de materiais. “Já no fornecimento de serviços, a barganha aparece menos, até porque há ainda alguma proteção legal à mão de obra”, lembra.

Essa pressão das construtoras pretende que a indústria de materiais aumente sua produtividade – leia-se, faça mais com menor custo. Consequentemente, ela deverá transferir a maior eficiência obtida para os preços dos produtos comercializados com a construtora.

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CONTRAPARTIDAS

“Tenho notícias de que algumas empresas reduziram sua capacidade de fornecimento para 30%. Quando um produto ou serviço sofre essa queda, será que continua sendo útil?”, indaga Ignácio, que aponta dois caminhos: ou a empresa muda aquela oferta de produto ou agrega algum outro valor.

No segundo caso, sugere, por exemplo, que o fornecedor passe a entregar o material ao cliente que, antes, se responsabilizava por essa etapa. “Não sei o quanto todas estão capacitadas para isso”, comenta.

Construtoras de médio e grande porte podem oferecer contrapartidas técnicas nas negociações com fornecedores pequenos e médios. Nesse segmento, os fabricantes têm, em geral, dificuldade de implementar novas tecnologias e infraestrutura em suas plantas. São fabricantes e não empresas desenvolvedoras ou de pesquisa.

“Em casos como esses, as construtoras conseguem oferecer subsídios para que elas possam trabalhar novo material ou nova técnica e, até mesmo, oferecer algum equipamento para a produção”, ressalta.

Em momentos de crise, a construtora que tem um fornecedor principal de determinado produto ou serviço deve garantir a ele a manutenção de demanda, mesmo que pequena. O professor se refere às empresas de menor porte que têm um ou dois clientes, para quem fornecem o equivalente a 80% de sua receita. Se esse volume for reduzido para 20%, elas têm grande chance de falir.

“Portanto, é preciso que a construtora saiba identificar entre seus fornecedores quem vale a pena manter, estimulando o processo de compras. É um grande valor agregado que a construtora pode proporcionar à sua cadeia”, recomenda.

Esse tipo de ação, que reforça a fidelização, é mais segura do que substituir o fornecedor. “Na reativação da economia, o novo poderá abandonar o contratante por outro mais conveniente. É esse tipo de relação que critico”, acrescenta Ignácio.

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COMPARTILHAMENTO

Compartilhamento é um conceito-chave na relação entre construtora e fornecedor, especialmente no contexto atual de avanço tecnológico em que equipamentos sofisticados e a manufatura aditiva das impressoras 3D asseguram maior produtividade.

“Precisamos considerar que ambos podem compartilhar recursos”, observa. É o caso, por exemplo, da construtora com condições de investir, adquirir e alocar determinado equipamento necessário à produção do fornecedor. Posteriormente, poderá fazer a transferência definitiva do bem.

Outras formas de compartilhamento envolvem transporte e áreas de armazenagem, permitindo reduzir custos sem afetar questões sociais. Essas práticas acabam por induzir ambientes de produção mais seguros, rápidos, organizados e, ao mesmo tempo, mais flexíveis.

Ignácio exemplifica: “A construtora e um conjunto de fornecedores que estão em determinada rota poderiam criar um hub de transporte. Ou seja, seria criada uma logística de entrega no canteiro com o uso de um único veículo. Posteriormente, seria feita a divisão do custo do transporte entre os participantes”.

É possível, também, compartilhar espaço de estocagem de materiais no galpão de um dos fornecedores, mais próximo ao canteiro. E, de lá, abastecer a obra. “Ao invés de construir ou alugar um armazém, o ideal é usar aquele ativo que já está pronto e, depois, ratear. A solução resulta num custo menor para o pool de fornecedores”, orienta o professor.

Um passo além e de aproveitamento máximo do compartilhamento seria o uso por fornecedores da mesma área em que a construtora produz estruturas de concreto para suas obras. Ao invés de a empresa produzir apenas colunas de concreto, os contratados poderiam armazenar, no local, materiais complementares como massa e revestimento cerâmico, por exemplo. “Isso é compartilhar espaço físico, transporte e mão de obra”, reforça Ignácio.

CADEIAS PRODUTIVAS

Para o professor, é importante que as construtoras passem a considerar seriamente o conceito de cadeias produtivas de suprimentos. “As competições não ocorrem mais entre empresas individuais, mas entre cadeias produtivas. É muito positivo ter parceiros que reagem rápido”, afirma.

Numa analogia, seria substituir uma corrida de 100 m com cada um competindo individualmente, pela categoria 4 x 100 m, em que a passagem do bastão de um parceiro para o outro exige sincronismo, sem atrasos.

“Do produtor de areia ao montador do sistema elétrico, quanto maior a integração na cadeia, mais fluidez há na troca de informações e de produtos. A cadeia que flui, sem rupturas, é uma cadeia competitiva, que traz menores custos ao empreendimento. Cabe, então, à construtora gerenciar o repasse dessa redução ao cliente ou sua absorção para justificar o momento crítico de poucas obras e vendas”, conclui Ignácio.


COLABORAÇÃO TÉCNICA

Paulo Sérgio de Arruda Ignácio – Doutor em Engenharia Civil pelo LALT – Laboratório de Aprendizagem em Logística e Transportes, vinculado ao Departamento de Geotecnia e Transportes da Faculdade de Engenharia Civil da Universidade Estadual de Campinas – Unicamp (2010), na área de Engenharia de Transportes. Possui graduação em Engenharia de Produção Mecânica pela Universidade Metodista de Piracicaba (1985) e mestrado em Gestão da Qualidade pelo IMECC (2001). É professor doutor da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). E referee ad hoc em periódicos. Possui artigos publicados em revistas e congressos nacional e internacional. Tem experiência acadêmica e consultoria em gestão de operações e serviços, com ênfase em gestão de operações, logística, gestão da cadeia de suprimentos, produtividade, armazenagem, qualidade e medição do desempenho, com modelagem de sistemas.

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