Após inúmeros escândalos envolvendo empresas e agentes do governo em malversação de dinheiro público, o país estabeleceu em 2013 a Lei no 12.846, conhecida como Lei Anticorrupção. A lei estabeleceu uma série de medidas para coibir atos lesivos à administração pública praticados por organizações, tendo importantes consequências para a indústria da construção.
Construtoras e outros atores da cadeia, sobretudo quando trabalham direta ou indiretamente com a esfera pública, podem incorrer em práticas criminosas como fraudes em licitações, desvio de verbas, suborno de funcionários e autoridades e fraudes contratuais de natureza variada.
Com a lei, as penalidades em casos desse tipo se tornaram mais duras, podendo ter enorme impacto sobre a vida financeira e sobre as possibilidades de atuação da empresa no futuro.
Constatadas irregularidades e após o devido processo legal, a multa pode chegar a 20% do faturamento da companhia no ano anterior. Quando não for possível quantificar adequadamente o faturamento, o montante total da penalidade pode alcançar R$ 60 milhões.
A punição pode envolver também a perda de bens e valores advindos de más práticas, suspensão ou interdição parcial de atividades e até a dissolução compulsória da pessoa jurídica. As empresas podem ficar impedidas de contrair empréstimos ou receber incentivos de órgãos públicos por até cinco anos. A Justiça pode determinar, ainda, a publicação de sua decisão em meios de comunicação.
As penalidades podem ser minoradas se um acordo de leniência for celebrado, estipulando que a companhia colaborará com as autoridades no esclarecimento dos fatos criminosos, na coleta de provas e na responsabilização de indivíduos. Um dos fatores que pesam a favor da organização nesses casos é o fato de ela contar com um programa de compliance.
O que é compliance?
To comply with, em inglês, significa atender a ou sujeitar-se a alguma coisa. No mundo empresarial, a palavra compliance é usada em referência aos programas ou procedimentos internos de uma organização que garantem que todas as suas operações estarão em conformidade com a legislação vigente, com os padrões éticos do mercado e com seu próprio código de conduta.
Conforme explica a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), geralmente as empresas asseguram-se da adesão às normas internas e à legislação por meio de um programa formal de integridade, o qual deve incentivar uma cultura de conduta ética e compromisso com as leis. O setor de compliance previne e detecta práticas criminosas ou irregulares.
Uma das principais funções de um programa ou setor de compliance dentro de uma organização é diminuir os riscos de más práticas ou ilegalidades em suas diferentes atividades diretas ou indiretas. Boa parte dos riscos têm origem em terceiros, de forma que o controle por parte das companhias tem que ser capaz de prevenir também que fornecedores, representantes comerciais e outros agentes com quais elas se relacionam cometam irregularidades em seu nome.
Como estruturar um programa de compliance?
Para empresas da cadeia da construção, uma das principais fontes sobre compliance é o Guia de Ética e Compliance para Instituições e Empresas do Setor da Construção, elaborado em 2016 pela CBIC.
O guia explica em detalhes os elementos centrais da Lei Anticorrupção e do Decreto 8.420/2015, que a regulamenta. As próprias normas, aliás, são fontes indispensáveis de consulta sobre o tema. O decreto 8.420, por exemplo, elenca os parâmetros de avaliação de um programa de integridade, algo fundamental para organizações que estejam instituindo procedimentos de compliance.
Segundo os parâmetros, a alta direção da empresa deve estar comprometida com o programa de integridade, e os padrões de conduta, código de ética, políticas e procedimentos de integridade devem ser aplicáveis a toda a equipe, independentemente do cargo – incluindo terceiros, quando for o caso.
Deve haver treinamentos periódicos sobre o programa e análise frequente dos riscos de irregularidades, de forma que os procedimentos sejam ajustados, se for preciso. Os registros contábeis devem refletir de maneira confiável as transações feitas pela empresa, que deve contar ainda com controles internos que garantam relatórios e demonstrações financeiras fidedignas.
Deve haver procedimentos para prevenir fraudes em licitações e em contratos com o setor público, além da prática de ilícitos em qualquer tipo de interação com órgãos governamentais.
Controles e procedimentos internos devem permitir a pronta identificação de não conformidades e a imediata interrupção da prática das irregularidades eventualmente descobertas.
A área de compras: um ponto nevrálgico
Especialmente em construtoras, a área de compras lida com grandes volumes de insumos, componentes e serviços contratados, o que muitas vezes funciona como caldo de cultura para irregularidades.
Problemas como fraudes contratuais envolvendo compra e venda de materiais de construção, prática de sobrepreços para favorecer ou encobrir desvios de verba e direcionamento de compras em trocas de vantagens pessoais para o comprador são muito comuns, tanto no setor privado quanto no público.
Quando essas irregularidades acontecem em obras para órgãos do governo, a construtora se sujeita às penalidades rigorosas da Lei Anticorrupção.
Conforme explica Fernando Taricano, Executivo de Contas na Construmarket, a tradicional descentralização das compras nas construtoras permitiu que, historicamente, fosse difícil estabelecer controles precisos sobre as negociações.
“Cada obra fazia suas próprias compras, e os responsáveis por elas, eventualmente, podiam se beneficiar sem que a empresa percebesse o que se passava”, afirma Taricano.
Sem procedimentos e padrões que determinassem um processo de orçamentação e aquisição transparente, as companhias perdiam a noção de como cada canteiro estava comprando seus insumos – e ninguém tinha acesso em tempo real aos dados envolvidos em cada negociação.
“Ainda hoje, há empresas que não dispõem de uma plataforma que centralize a gestão dos processos de compras. Tomadas de preços são muitas vezes feitas por telefone, e-mail ou aplicativos de comunicação”, ele acrescenta.
O problema, nesses casos, é que sem o registro dos orçamentos – e sem sua disponibilização em tempo real para a gestão da empresa –, os preços podem ser facilmente manipulados posteriormente, de modo a fazer parecer que o fornecedor escolhido indevidamente tinha, de fato, oferecido as melhores condições.
Escolhas indevidas podem ter um preço alto. Tudo isso pode levar à aquisição de materiais de construção em desconformidade com a legislação ambiental e com as boas práticas de sustentabilidade, gerando impacto desnecessário e evitável sobre ecossistemas e comunidades envolventes.
Também se corre o risco de alugar equipamentos sem a manutenção devida ou contratar prestadores de serviço que não respeitem as normas técnicas e a legislação trabalhista, colocando em risco a segurança dos colaboradores no canteiro.
Plataforma de gestão de compras: ferramenta necessária
Há uma série de boas práticas que podem ser implantadas no setor de compras de uma construtora para reduzir o risco de irregularidades. O programa de compliance da organização deve estabelecer, por exemplo, que a equipe não está autorizada a receber presentes ou benefícios de qualquer natureza de seus fornecedores – e deve garantir que isso nunca ocorra.
Além disso, é importante que todas as compras da construtora passem pelo departamento. Sem centralização, o controle fica muito mais difícil e as chances de desvios crescem significativamente.
O sistema de trabalho da equipe de compras – e da companhia como um todo – deve priorizar a documentação de todas as atividades e a disponibilização dos registros em uma única ferramenta, em nuvem.
Só se obtém plena transparência no setor de compras de uma construtora com o uso de uma plataforma específica para a gestão de mapas de cotação e processos de aquisição de insumos, componentes e serviços.
“Com o mapa de preços disponível em tempo real e a todo momento para os líderes da empresa, fica impossível manipular orçamentos ou buscar justificativas não comprováveis para uma compra indevida”, afirma Taricano.
O Construcompras, por exemplo, não permite o manuseio dos dados. Os preços praticados pelos fornecedores são alimentados na plataforma de maneira automática – e isso é visível para a direção da construtora.
“O sistema registra o mapa de cotação em nuvem. Em caso de auditoria, todas as cotações feitas no passado podem ser prontamente disponibilizadas para o auditor. As etapas ficam completamente documentadas”, ele descreve.
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Colaboração técnica:
Fernando Taricano – Executivo de Contas na Construmarket