Comprador ou estrategista, o novo desafio

Ser um bom comprador vai além do ato de comprar o melhor produto pelo menor preço.
mulher fazendo cálculos em uma calculadora

Entrevista: Vital Martins Filho

Ser um bom comprador vai além do ato de comprar o melhor produto pelo menor preço. A afirmação é do economista Vital Martins Filho, presidente do Instituto Nacional dos Executivos de Suprimentos (INESUP). Para Martins é fundamental que o profissional de compras leve em consideração em suas decisões o Total Cost Ownership (TCO), ou custo total do processo.

Ele explica que “o TCO é uma estimativa financeira projetada para avaliar os custos diretos e indiretos relacionados à compra de todo o investimento importante, além dos gastos desde a solicitação da compra, estocagem, utilização, colocação até o descarte e pagamento”.

Nesta entrevista ao Portal AECweb, o ex-gerente de suprimentos da América Latina e África do Sul da Dow Química/Union Carbide Química – que respondia pela estratégia e compra de matérias-primas, embalagens, peças, acessórios, logística, equipamentos e serviços – fala do novo perfil do comprador e que está em curso uma mudança de comportamento do profissional com o mercado.

Ele orienta que o comprador precisa ir à rua para conhecer o fornecedor e seus concorrentes, e os fornecedores do fornecedor. “Ele deve discutir estratégias com os demais departamentos da companhia e propor mudanças, pois ainda há empresa que obriga o profissional a comprar apenas pelo menor preço, sem levar em conta custos adicionais na reposição de peças mais baratas e de qualidade inferior”, afirma.

AECWeb: O que é preciso para ser um bom comprador?


Vital – Para ser um bom comprador é preciso conhecer o mercado – os fornecedores e seus concorrentes, e os fornecedores dos fornecedores.

AECWeb – Que itens ele deve levar em conta na hora da decisão?

Vital – Na compra de matéria-prima para sua linha de produção ele deve se preocupar, entre outras coisas, no mínimo, com valor, qualidade e quantidade, além de impostos, instalação, logística, prazo de entrega, prazo de pagamento entre outros.

AECWeb – A que nível de detalhe deve ir o conhecimento do comprador?

Vital – Hoje quando você vai comprar tinta, por exemplo, todas são brancas. Você escolhe a tonalidade no catálogo e a cor desejada é feita na hora. Aquela mistura para obter determinada cor não pode faltar, mesmo que seja de baixo valor aquisitivo. E o comprador precisa conhecer esse processo.

Outro ponto é que o comprador tem que se capacitar para estar sempre em busca de novas alternativas de materiais/contratipos que possam ajudar na redução de custos e sempre trabalhar junto com os demais departamentos da construtora sobre essas opções e oportunidades para redução de custos.

AECWeb – Por que ele tem que conhecer o fornecedor do fornecedor?

Vital – O comprador precisa entender a importância das matérias-primas para sua empresa, conhecer os fornecedores, quem está no mercado e a capacidade de produção de cada um. Se ele compra 10 toneladas/mês de determinado produto e a capacidade produtiva do seu fornecedor é de 20 toneladas mês, está comprando 50% da produção.

Se o fabricante tiver algum problema na produção vai paralisar a obra. Por isso é importante conhecer os demais fornecedores e ter outras opções. Tem que saber quem são os produtores e conhecer a capacidade produtiva de cada um. O comprador precisa conhecer o mercado nacional e internacional dos seus possíveis fornecedores.

AECWeb – Ele precisa ser um estrategista…

Vital – Vamos supor que uma empresa compre cerâmica regularmente de um fornecedor e que sua matéria-prima básica seja a areia. Se o comprador está informado de que está faltando ou vai faltar areia no mercado sabe que corre o risco de ter aumento de preço na cerâmica.

E ele precisa saber disso com antecedência para avisar o departamento de vendas que o custo de produção vai subir. É preciso trabalhar em sintonia, no mínimo, com os departamentos de vendas, de produção, com o financeiro, o fiscal e de logística.

AECWeb – Por que até o departamento de finanças?

Vital – Vamos supor que o financeiro esteja aplicando dinheiro do caixa da empresa para ter um rendimento hipotético de 1% ao mês. O comprador pode passar a comprar à vista e conseguir descontos maiores que o rendimento que o financeiro está obtendo nos bancos. Ou na mão inversa.

A empresa está com problema de caixa. Se pegar empréstimo no banco vai pagar um juro hipotético de 4% ao mês. O comprador negocia com o fornecedor e consegue comprar sua mercadoria para pagar em 90 dias com juros hipotéticos de 2%. Ele está ajudando a empresa a ganhar dinheiro e a reduzir custos.

O autofinanciamento com fornecedores sempre fica mais barato do que recorrer aos bancos. Portanto, o comprador tem que estar muito alinhado com o departamento de finanças.

AECWeb – E quais são os benefícios da relação com os demais departamentos?

Vital – O comprador precisa saber de tudo o que precisa na obra e como fazer para reduzir os custos da construtora. Na indústria automobilística, por exemplo, não se compra mais tinta ou pneu para os carros. As montadoras compram o pneu montado ou o carro pintado e pagam pela produção.

Antes elas compravam um determinado número de pneus e a montagem era feita por seus profissionais. Hoje a fábrica de pneus é quem manda seus funcionários fazerem a montagem. Com isso, é ela que se preocupa com o menor tempo de montagem, com a redução do desperdício, com estoque, pois a montadora vai pagar por carro montado. No caso da tinta é a mesma coisa.

A fornecedora envia seus funcionários para fazerem a pintura das carcaças e recebe por carro pintado e não por quantidade de tinta vendida.

CC MAPA COMPARATIVO

AECWeb – Esses exemplos servem para o setor da Construção Civil?

Vital – Sim, esse raciocínio pode ser usado na indústria da Construção Civil. Em vez de o comprador adquirir 50 peças para banheiros para colocar num edifício, ele compra do fornecedor o banheiro pronto.

Se comprar as peças e uma delas quebrar na hora de instalar terá que adquirir mais, correndo o risco de ter sobra de peças ao final da obra. Comprando o banheiro pronto a fornecedora vai fazer a montagem com seus funcionários e receberá pelo total de banheiros.

As quebras ou sobras deixam de ser contabilizadas pela construtora. O desperdício numa obra chega a 30% de tudo o que precisa para ser construído. O comprador precisa negociar com os fornecedores para evitar esse custo. A compra do banheiro instalado pode até ficar mais cara, mas no cômputo geral o custo será menor.

AECWeb – Na prática ele tem que pensar como se fosse o dono da empresa?

Vital – O comprador precisa conhecer o Total Cost Ownership (TCO), ou custo total do processo. O TCO é uma estimativa financeira projetada para avaliar os custos diretos e indiretos relacionados à compra de todo investimento importante, além dos gastos desde a solicitação da compra, estocagem, utilização, colocação até o descarte e pagamento e etc.

AECWeb – O que o senhor propõe é uma mudança no perfil do comprador?

Vital – Essa mudança de comportamento na hora da compra está acontecendo, mas nem sempre depende do comprador. Ainda tem empresa que o obriga a comprar apenas pelo menor preço, sem levar em conta o custo do processo, como por exemplo, os custos adicionais na reposição de peças mais baratas e de qualidade inferior.

Portanto, o comprador tem sempre que se preocupar com o custo total do produto e não apenas em comprar do fornecedor com o menor preço. E deve repassar as informações que obtém do mercado aos demais departamentos da empresa.

AECWeb  Este novo perfil já é sentido no setor de suprimentos?

Vital – O comprador, em geral, ainda é muito conservador e reativo, tem dificuldade de sair do seu escritório, de ir para a rua. O vendedor não. Acontece que o comprador também precisa ir para a rua, visitar seu fornecedor, o chão de fábrica.

Com isso, de repente ele descobre que está comprando de uma empresa que não tem condições de entregar a qualidade que lhe é oferecida no site bem-apresentado do fornecedor.

É visitando o fornecedor que o comprador aprende. Às vezes descobre que o fabricante poderia estar oferecendo outros produtos de sua linha de produção. E, com isso, consegue reduzir custos e aumentar os lucros de sua empresa e do fornecedor.

AECWeb – O que mais é possível fazer para modernizar o setor de suprimentos?

Vital – Outra questão é a burocracia das empresas para ter um fornecedor. O comprador precisa alertar o setor administrativo que a burocracia exigida para cadastrar um fornecedor tem um custo que será repassado ao produto final.

Grandes empresas, nacionais e multinacionais, têm uma exigência burocrática enorme, com pedido de documentos totalmente desnecessários para a compra de insumos, até mesmo os de baixo valor.

AECWeb – O senhor pode citar algum exemplo?

Vital – Posso dar o exemplo das exigências ao próprio INESUP quando vendemos nossos cursos. Cito alguns dos documentos que nos solicitam para a compra de inscrição em cursos de valor baixo, no máximo R$ 1.800 e que, a nosso ver, apenas aumenta os custos burocráticos de uma empresa.

Nos pedem ficha de cadastro de fornecedor carimbada, com nome da empresa, assinada e com firma reconhecida; envio do cadastro de fornecedor via correio; declaração de não utilização de mão de obra infantil, com firma reconhecida e envio pelo correio; cópia de uma folha de cheque para comprovação de conta corrente ou cópia do extrato bancário; certidão negativa do FGTS e do INSS; certidão negativa do IR, certidão de isenção do ICMS, entre outros.

Com isso, o custo burocrático das empresas se torna muito alto. Também compete ao comprador tentar mudar esse comportamento dentro das organizações e desafiar o fornecedor.

AECWeb – O que o senhor quer dizer com desafiar o fornecedor?

Vital – Vamos dar um exemplo simples que pode ser usado em outras situações. Um condomínio contrata uma empresa para fazer a jardinagem do edifício e trabalha com essa empresa há mais de dois anos. Nesse tempo o fornecedor já conhece os problemas do condomínio.

Se o comprador desafiar o vendedor e perguntar o que ele pode sugerir para baixar o custo da jardinagem ele vai oferecer o mesmo trabalho com algumas opções de redução de custos. Vai continuar lucrando e o comprador terá o mesmo produto gastando menos.

Caso o contrato exija que a grama seja cortada uma vez por semana durante todo o ano o vendedor pode orientar ampliar o prazo do corte no inverno, o que ajudará na redução dos custos sem que haja diminuição do lucro.

AECWeb – O que mais é possível fazer para reduzir custos?

Vital – Outra opção é fazer compras de longo prazo com fornecedores constantes de matérias-primas de valor significativo. Em vez de tirar um pedido todo mês e exigir descontos sobre descontos, o comprador faz uma única negociação vantajosa para os dois lados por um período de um ou dois anos.

O fornecedor ganha porque terá menor custo administrativo, não vai precisar enviar vendedor regularmente e poderá planejar melhor sua produção. O comprador ganha porque além de pagar mais barato, tem a garantia da entrega – embora seja bom salientar que nunca se deve ficar preso a um único fornecedor.

AECWeb – O que mais o comprador precisa saber?

Vital – Ele deve ser um bom negociador e conhecer os limites do fornecedor. Normalmente o comprador sabe o limite do fornecedor apenas quando ele desiste da venda. Mas se conhecer bem o mercado, saberá dos limites do fornecedor antes de receber o vendedor.

Redação AECweb

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COLABOROU PARA ESTA MATÉRIA:

 Vital Martins Filho – Mais de 13 anos de experiência como gerente de compras da América Latina e África do Sul em empresa multinacional de grande porte. Responsável por negociações locais e internacionais (Europa, USA, América Latina e África do Sul), tendo trabalhado com equipes de 12 a 25 funcionários.

Responsável pela definição da estratégia, política e procedimentos quanto à compra de matérias-primas, embalagem, peças, acessórios, equipamentos e serviços, bem como, pela definição estratégica e de negociação de toda a logística (armazenagem, carga seca e líquida e transportadoras), e do desenvolvimento, implementação e padronização de procedimentos internacionais de compras.

Mais de 15 anos de experiência na área de auditoria interna (com estágio de quatro meses nos USA), tendo sido gerente de auditoria em empresa multinacional por quatro anos, acumulando sólidos conhecimentos em contabilidade geral, de custos, área fiscal, vendas, recursos humanos, financeira e de produção.

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