Profundo conhecedor da construção civil brasileira, o engenheiro e professor de pós-graduação da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), Luiz Henrique Ceotto, sócio da Tecnoenge Consulting, faz duras críticas ao setor e, especialmente, ao desempenho do departamento de compras das empresas, para adquirir sistemas atuais.
“Os chineses estão construindo um prédio de 70 pavimentos em um mês, enquanto aqui a mesma obra demoraria cinco anos. Temos toda a tecnologia disponível no mundo e não usamos para adquirir sistemas construtivos. Quando usamos, o fazemos como se fosse uma commodity. O processo de compras precisa passar por esse entendimento”, defende.
Para ele, é essencial capacitar os profissionais da área para que entendam o que estão comprando. Uma das principais falhas que a maioria dos compradores comete é não conversar com a obra ou com os projetistas para entender o que deve ser adquirido.
Aliado a essa prática está o fato de as especificações serem pouco detalhadas. “Os compradores compram sempre pelo menor preço. Ao mesmo tempo, são avaliados por sua capacidade de comprar pelo menor preço – e não pelo melhor resultado”, aponta.
Para Ceotto, esse tipo de compra não funciona nem para commodities, pois seus valores agregados não podem ser negligenciados e considerados como padrão.
Até mesmo a compra de areia pede conhecimento, já que cada uma delas tem usos específicos. Na sua opinião, o modelo de compras coletivas de commodities feitas pelas construtoras brasileiras é ainda pior.
“Ele replica um modelo falido de comprar barato, sem passar disso”, diz, acrescentando que esse formato é impensável nos Estados Unidos. Ainda mais complexo é adquirir sistemas, que exige muita engenharia.
“O comprador deve ser engenheiro e compor uma equipe especializada. A atividade envolve outras áreas da construtora, coordenadas pelo departamento de compras”, expõe.
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Adquirir sistemas e seguir o exemplo da indústria automobilística
O entendimento de que a chave para a evolução da construção civil do país passa pela disseminação de sistemas construtivos em contraposição com a construção artesanal levou o professor de volta aos estudos.
Depois de deixar a diretoria da Tishman Speyer, cargo que ocupou por 12 anos, agora ele absorve novos conhecimentos no curso “Liderança e Inovação”, no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), em Cambridge, Estados Unidos.
Os compradores compram sempre pelo menor preço. ” Luiz Henrique Ceotto
“Na busca por melhores práticas, o setor da construção civil norte-americano faz benchmark com a indústria automobilística. Algumas revelações surpreendem”, conta. As montadoras concluíram que, com mais do que 20 contratos de fornecimento, é impossível construir um carro.
O fornecedor que antigamente vendia apenas o radiador agora entrega a peça para a montadora, produz a frente completa, com faróis, cabeamento, plástico e, ainda, pintura na cor especificada. Resultado: um automóvel é montado em menos de duas horas.
A reflexão que o professor faz sobre a cultura da construção civil brasileira fica clara no exemplo da última obra que dirigiu – o empreendimento corporativo Pátio da Marítima, concluído este ano, no Rio de Janeiro.
“Foram, em média, 800 contratos durante a construção. O prazo de execução foi de 24 meses e o de procurement ficou em 20 meses, o que corresponde a dois contratos novos por dia. Esse esforço envolveu o trabalho de 60 profissionais. É um ato burocrático gigantesco. E isso na melhor construtora do Brasil”, diz, comentando que, se fosse outra empresa, o número de contratos provavelmente dobraria.
Transferindo experiência
É fundamental, segundo ele, induzir as indústrias fornecedoras da construção a evoluírem para a produção de sistemas e fazer com que os elos dessa cadeia se comuniquem.
“A indústria automobilística nos Estados Unidos funciona como uma cadeia de valor, em que cada elo procura saber o que pode fazer para contribuir e adicionar valor ao produto do outro. Porque o objetivo é atender e adicionar valor ao que o cliente quer do carro”, destaca.
Para o professor, construir com tijolo e argamassa, como se faz no Brasil, é prática do século retrasado. E, segundo ele, o setor trata tecnologias de ponta com a mesma cultura do passado.
“É o caso das indústrias de drywall e de suportes para toalhas, que não conversam. Os toalheiros disponíveis no mercado são próprios para alvenaria e funcionam muito mal no drywall. Com um só pino de fixação, acabam amassando a chapa. O fabricante poderia desenvolver um produto binário, mas desconhece a necessidade, e a indústria de drywall não pede”, exemplifica Ceotto.
É claro que o comprador precisa e deve propor alternativas, mas a partir de uma lógica correta e estratégica, de planejamento e de tecnologia. ” Luiz Henrique Ceotto
Adquirir sistemas e compras ruins
A decisão de adquirir sistemas construtivos ideais para cada obra exige análise de custos. Da equação fazem parte a avaliação de riscos, o impacto do sistema construtivo na velocidade da obra e a redução do prazo de execução – aspectos que aumentam a taxa de retorno do empreendimento.
“É preciso, ainda, analisar os custos de manutenção. Por exemplo, quando se utiliza a alvenaria comum numa estrutura reticulada, a quantidade de fissuras e destacamentos é enorme. Quanto custa isso ao longo da vida útil do edifício?”, indaga Ceotto.
É certo que a especificação incorreta vai gerar compras igualmente equivocadas. “É comum, também, que o comprador modifique a especificação. É claro que o comprador precisa e deve propor alternativas, mas a partir de uma lógica correta e estratégica, de planejamento e de tecnologia”, recomenda.
Ele argumenta ainda que, além do conhecimento técnico, é preciso que o comprador tenha uma visão estratégica da engenharia e esteja muito afinado com a direção, com a área técnica e de projetos da construtora.
Por outro lado, a compra de um sistema sempre pressupõe o embasamento de um projeto técnico. “Mas, hoje, se faz projeto sem pensar em sistema”, afirma e exemplifica: o projetista de elétrica não desenvolve o projeto visando a pré-fabricação do sistema.
“O que se tem, normalmente, são projetos que preveem cabeamento e não chicotes e suas interligações, como deve ser em um sistema”, comenta. É comum, também, que se projete uma estrutura de concreto sem conhecimento de como a obra será feita.
Segundo Ceotto, os projetos são encomendados pelas construtoras sem discutir como podem colaborar para a evolução dos sistemas construtivos.
“Temos de resolver o nosso problema de hoje, é claro. Mas também do futuro da construção civil no Brasil”, conclui.
Redação AECweb / Construmarket
Colaboração técnica
Luiz Henrique Ceotto – Engenheiro Civil pela Universidade de Brasília; mestrado em Engenharia de Estruturas pela Escola de Engenharia de São Carlos USP; e pós-graduado e certificado pelo MIT (Massachusetts Institute of Technology) no “Executive Certificate in Strategy and Innovation“.
É consultor de empresas em gestão e desenvolvimento tecnológico da construção e diretor da FIESP no Deconcic. Até recentemente foi responsável por todas as atividades de projeto e construção no Brasil pela Tishman Speyer Properties. Antes, passou mais de 20 anos liderando as atividades de construção e de desenvolvimento tecnológico da Encol S/A e da Construtora Inpar.
Na área acadêmica, foi professor no Departamento de Engenharia Civil da Universidade Federal de São Carlos, e é professor visitante da Faculdade Politécnica da Universidade de São Paulo.
Publicou vários artigos e dois livros – um deles, sobre produção de fachadas e outro sobre estimativa de custos de construção na fase de projeto. É membro fundador do Comitê de Tecnologia e Qualidade do SindusCon-São Paulo.