Compras sustentáveis devem ter estímulo do Estado

Dois homens olhando a planta de um projeto e ao fundo placas solares e hélices eólicas.

A década de 1960 foi o marco para a formação de um direito ambiental internacional, baseado num modelo de desenvolvimento que atendesse a critérios econômicos e ambientais, no caso, compras sustentáveis. O tema evoluiu, em 1972, com o princípio 21 da Declaração de Estocolmo e, em 1992, com o princípio 2º da Declaração do Rio, fundamentais para a introdução do conceito de sustentabilidade”.

Quem afirma é a doutora Ana Carla Bliacheriene, professora de Finanças Públicas e Orçamento e Direito Econômico da Universidade de São Paulo e autora do livro recém-lançado ‘Construindo Planejamento Público’.

“Além de governos, empresas aderiram ao movimento de autorregulação e passaram a adotar um Sistema de Gestão Ambiental, como a IS0 14001, baseado na premissa da sustentabilidade. Organismos internacionais como a ONU e a OMC compreenderam o poder de compra dos Estados – que, com variações, gastam em média 10% do PIB em compras e obras públicas – e os impactos que pode causar à liberalização do comércio internacional”, explica.

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Nesse contexto, as obras e compras públicas sustentáveis surgem não apenas como algumas das vertentes de um processo produtivo que considera o meio ambiente nas relações de produção.

“Além de ser um meio de o Estado prestar serviços públicos, também podem ser vistas como instrumento de política pública ou como mecanismo de intervenção do Estado na economia, induzindo condutas dos agentes econômicos”, ressalta a professora, explicitando:

“Isso quer dizer que, além de cuidar do marco normativo do desenvolvimento sustentável e de proteção do meio ambiente, o Estado deve, através de financiamento de atividades desejadas e de seu poder de compra, promover os meios para que empresas e pessoas invistam em produtos ou serviços sustentáveis e tenham acesso ao mercado das compras públicas”.

Segundo ela, entram na equação de compra critérios como eficiência, respeito ao meio ambiente, direitos humanos, direitos sociais e trabalhistas e as tradições culturais da população.

“As licitações sustentáveis são oportunidades para que governos usem o seu poder de compra e contratação de forma consciente”, diz Ana Bliacheriene, que continua:

“Atualmente tem-se a noção de que obras e compras públicas sustentáveis geram economia em médio prazo, além de preservarem o meio ambiente. Nesse sentido, as chamadas licitações sustentáveis vão além da lógica do menor preço, para acolher critérios de economia e menor impacto ao meio ambiente a médio e longo prazo”.

Processo sustentável

As licitações sustentáveis são oportunidades para que governos usem o seu poder de compra e contratação de forma consciente.”

A professora lembra que obras sustentáveis começam com um projeto arquitetônico que considera as implicações ambientais da obra, que deve ter um grau de economia de insumos, redução do impacto ambiental e mitigação das emissões de carbono.

Devem ser priorizadas a preservação da vegetação nativa, a conservação dos recursos hídricos (mantendo as necessidades hídricas da vegetação), fauna e solo locais.

“As ações avançam para a manutenção de jardins produtivos, fabricação de húmus pela compostagem dos resíduos orgânicos produzidos pelo funcionamento do prédio e a manutenção de corredores verdes”, diz. O canteiro de obras é fundamental para se obter a sustentabilidade da obra.

São medidas relevantes para a adequação do canteiro a correta vedação da obra; o reuso da terra local; a reciclagem e reuso de cascalhos e restos de concreto da obra; a geração de energia auxiliar por fontes alternativas de energia; o aproveitamento de águas de chuva no canteiro, entre outras ações.

No edifício, são bem-vindos os sistemas de reuso de águas e de captação de águas pluviais, assim como os de irrigação eficiente e econômica (subterrânea, por gotejamento ou por aspersão).

“O ideal é o emprego de sistema alternativo de captação de energia – solar ou fotovoltaico, por compostagem, eólico, entre outros – e de recarga de aquíferos subterrâneos”, lembra. A edificação sustentável deve receber ainda instalação de coberturas verdes, dando preferência a jardins produtivos.

A eficiência energética pode ser alcançada através da correta orientação da edificação, especificação dos materiais e insumos a serem utilizados considerando reduzido ganho térmico, utilização de sistemas passivos de climatização (paredes ventiladas, ventilação com efeito chaminé, coberturas verdes e películas protetoras) e de sistemas ativos de climatização com baixo consumo de energia, que não emitam gases nocivos à camada de ozônio. E, finalmente, o edifício precisa ser preparado para a instalação de separação e eventual reuso de lixo orgânico.

Compras sustentáveis

Para avaliação do ciclo de vida de um produto e aferição de seus eventuais impactos ambientais negativos, é importante considerar as fases de concepção do produto; pré-produção; produção; embalagem e distribuição; transporte; uso/reuso e manutenção e descarte.

É importante que haja preferência para produtos que possam ser reciclados ou contenham componentes recicláveis, sejam energeticamente eficientes; que tenham emissões de CO2 reduzidas; que possam ser reutilizados; sejam biodegradáveis e orgânicos. ”

“Escolher um material sustentável para alimentar um projeto ou uma obra não é tarefa fácil e intuitiva logo de início. Se o comprador trabalha em um órgão público, certamente terá receio de infringir a Lei de Licitação conferindo preferência a um produto que não terá necessariamente o menor preço. Para estes compradores, já há legislação que resguarda sua escolha, desde que realizada dentro de critérios pré-estabelecidos no edital que precede a compra”, ensina a professora.

Para os compradores do setor privado, que alimentam as obras contratadas pelo setor público, deverá haver sintonia entre estética, eficiência e economia.

“Certamente o edital apresentará quais os critérios de sustentabilidade priorizados pelo gestor público e, a partir daí, o comprador poderá estabelecer alguns requisitos para diferenciar um produto de outro”, diz.

As compras sustentáveis deverão observar qualidade, custo, ciclo de vida do produto e impacto ao meio ambiente. Ana Bliacheriene elenca uma série de procedimentos para tornar as compras verdes:

“É necessário reduzir compras; buscar produtos atóxicos e fáceis de reciclar, que consumam menos energia e menos recursos naturais, adotar o uso racional de embalagens, que contenham componentes recicláveis, sejam duráveis, tenham baixa e fácil manutenção. É importante também priorizar a produção local, evitando transportes longos e poluentes. Na outra ponta é necessário reduzir o descarte dos produtos por meio do reuso ou da reciclagem”.

Alguns princípios devem ser seguidos para as compras sustentáveis. Entre eles: certificar-se de que o produto é necessário antes de comprá-lo ou não; antes de comprá-lo, considerar os vários impactos ao meio ambiente, desde sua matéria-prima até seu descarte; escolher fornecedores que tenham consciência e uma prática de preservação do meio ambiente; coletar informações sobre produtos e fornecedores ecologicamente corretos.

“Para a avaliação do ciclo de vida de um produto e aferição de seus eventuais impactos ambientais negativos, é importante considerar as fases de concepção do produto; pré-produção; produção; embalagem e distribuição; transporte; uso/reuso e manutenção e descarte. É importante que haja preferência para produtos que possam ser reciclados ou contenham componentes recicláveis, sejam energeticamente eficientes; que tenham emissões de CO2 reduzidas; que possam ser reutilizados; sejam biodegradáveis e orgânicos”, completa.

Ana Carla sugere os quadros abaixo para auxiliar o comprador das construtoras nessa tarefa. “O poder público vem mudando sua postura e tem legislado e contratado a partir de critérios de compras e obras sustentáveis. Se agora essas obras não representam a maior parte das obras contratadas, a nova legislação aponta para um futuro promissor e um nicho de mercado para construtoras que desejem prestar serviços para a administração pública”, diz a professora, prevendo que “as novas regras do regime diferenciado de contratações para a Copa de 2014 estão servindo como laboratório para que esses critérios sejam universalizados para todas as esferas de governo, com as alterações que advirão na Lei de Licitações. Estar preparado para esse futuro próximo é importante”.

Para ela, o comprador das empresas construtoras deverá adquirir a expertise necessária para selecionar os produtos no mercado, atendendo aos critérios de economia e qualidade desejadas, acrescidos da sustentabilidade exigida pelo cliente Estado.


Redação AECweb / Construmarket


Colaborou para esta matéria

Ana Carla Bliacheriene – Professora Associada de Finanças Públicas e Orçamento e Direito Econômico da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Livre-docente em Direito Financeiro pela Faculdade de Direito da USP.

Professora da Pós-graduação em Gestão de Políticas Públicas (EACH-USP) e Gestão de Organizações de Saúde (FMRP-USP). Mestre e doutora em Direito Social (subárea Direito das Relações Econômicas Internacionais) pela PUC-SP. Graduada em Direito pela Universidade Federal de Sergipe.

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