Especificação falha compromete compra de materiais

No Brasil, uma prática ainda bastante comum é a compra de materiais pelo critério de marcas e modelos, e não por suas propriedades técnicas em relação ao ambiente em que será feita a instalação. Segundo Maria Angelica Covelo Silva, diretora da NGI Consultoria e Desenvolvimento, essa especificação falha não é culpa da área de compras e suprimentos das construtoras, mas do projeto de arquitetura que, de maneira generalizada, ainda comete esse tipo de equívoco ao discriminar materiais.

“Apenas os projetos técnicos têm como tradição especificar os produtos por suas características”, alerta a doutora em engenharia, para quem a razão disso está na falta de formação técnica dos profissionais de arquitetura.

norma de desempenho ABNT NBR 15575, por exemplo, trata de sistemas. No caso de paredes, a especificação de materiais deve atender a requisitos de desempenho como tempo de resistência ao fogo e isolamento acústico que ela promove no ambiente e entre apartamentos.

A especificação é norteada, também, pelas normas prescritivas dos materiais componentes dos sistemas. Ainda em relação às paredes, são as normas dos blocos – cerâmicos e de concreto – e das argamassas, entre outros. Porém, as especificações não costumam ser feitas de acordo com as normas, gerando consequências negativas ao empreendimento.

Apenas os projetos técnicos têm como tradição especificar os produtos por suas características Maria Angelica Covelo Silva 

“Nem sempre as especificações são as mais adequadas. Nos acabamentos cerâmicos, por exemplo, tornou-se hábito especificar norteado por questões estéticas e por alguma característica mais disseminada”, menciona Covelo.

Segundo ela, todos já ouviram falar, mas não sabem exatamente o que é a propriedade de resistência à abrasão (PEI). “Essa é uma das dez propriedades do revestimento cerâmico que devem ser consideradas na hora de especificar. E a norma de desempenho pede uma delas, que é a resistência a escorregamento, visando a segurança dos usuários”, ensina.

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PRODUTOS SEM EQUIVALÊNCIA

Os exemplos de especificação da cerâmica valem para todos os produtos e projetos das várias disciplinas, da arquitetura às técnicas, paisagismo e interiores. “Quando não se tem a especificação técnica, ‘todos os gatos são pardos’. Aí entra a opção pelo produto similar. Ou seja, é aquele que parece, mas não é”, sublinha, ensinando que, quando for necessário substituir um material, que seja por outro de desempenho equivalente.

Se o comprador não tem em mãos as características de similaridade, não consegue comparar. Muitos fabricantes têm em suas equipes profissionais habilitados para auxiliar na especificação. Outros não, e acabam vendendo materiais inadequados.

Quando não se tem a especificação técnica, ‘todos os gatos são pardos’. Aí entra a opção pelo produto similar, aquele que parece, mas não é Maria Angelica Covelo Silva 

Na falta de parâmetros para fazer a comparação correta, as concorrências abertas pela área de compras das construtoras correm elevado risco de cotar produtos sem qualquer equivalência, tendendo a adquirir a oferta de menor preço.

“Até porque quem está comprando não consegue enxergar onde está a diferença. Resulta numa competição injusta e predatória, porque o fornecedor que luta para atender às normas técnicas terá de vencer aquele que propõe material com preço mais baixo, sem o mesmo desempenho”, adverte.

CAUSAS

Para Covelo, a causa principal é a baixa formação técnica dos arquitetos no Brasil. Para contornar essa deficiência, ela recomenda aos contratantes de projetos não aceitar especificações por marcas e modelos. Caso contrário, continuarão a se repetir casos de empreendimentos com pisos polidos nas áreas de circulação de passageiros – o que pode causar acidentes.

Prática que colabora com esse cenário é a chamada ‘reserva técnica’ – percentual pago pelo fornecedor ao projetista para este especificar seus produtos. Diante de especificação falha ou previamente acordada com o fabricante, os profissionais de compras das construtoras ficam limitados.

“Exceto naquelas que aliam compradores técnicos e a boa prática de discutir as especificações com os projetistas. É claro que as empresas não podem alterar as especificações sem consultá-los”, observa. Cabe ainda aos compradores de perfil técnico discutir as especificações com os fabricantes.

Nem mesmo a adoção do Building Information Modeling (BIM) garante uma boa especificação se as propriedades do material não forem imputadas no modelo. Mas, na medida em que os fabricantes construírem as bibliotecas de produtos com suas características explícitas, o BIM poderá ajudar. “Mas isso não elimina o conhecimento dos especificadores”, conclui Covelo.

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Colaboração técnica

Maria Angelica Covelo Silva – Engenheira Civil, Mestre e Doutora em Engenharia, diretora da NGI Consultoria e Desenvolvimento. Atua como consultora na área de gestão da qualidade com foco em desempenho de edificações nas fases de projeto, especificações, plano da qualidade da obra incluindo controle de conformidade dos materiais, componentes e sistemas construtivos.

Ministra treinamentos e consultoria para a implantação dos requisitos da norma de desempenho – ABNT NBR 15575 em empreendimentos residenciais.

Redação: AECweb / Construmarket

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