Projetos de arquitetura e engenharia são regidos por contratos estabelecidos entre aqueles que pagam pela construção e os que fornecem materiais e serviços. “Como em geral esses documentos envolvem valores altos, é essencial ter a situação dos contratos sob controle. Essa é a função da administração contratual em um projeto”, diz Álvaro Camargo, professor da Fundação Getulio Vargas e consultor em gestão de projetos.
ALTERAÇÕES AO LONGO DO CAMINHO
Além de monitorar os pagamentos devidos ou a receber, o gestor deve também manter o equilíbrio econômico e financeiro dos contratos. Como não existe projeto técnico perfeito, que consiga prever as possibilidades de riscos e modificações, é natural que esse equilíbrio se altere ao longo do tempo. “As partes contratantes devem se manter atentas e corrigir tudo aquilo que gera desequilíbrios econômicos e financeiros”, recomenda o especialista.
“Durante a execução do projeto, é fundamental registrar e colher provas de toda e qualquer evidência de desvios em relação às condições originais do contrato, para que seja possível montar processos de reivindicação dos desequilíbrios”, afirma Álvaro Camargo
Basicamente, as mudanças que afetam os custos são aquelas não previstas no escopo do projeto e, também, o surgimento de condições que não podiam ser percebidas quando da orçamentação. “Mudanças solicitadas pelo cliente devem ser ressarcidas. Existem situações, porém, que não implicam mudança de escopo e que demandam ressarcimento”, observa Camargo, ilustrando com um exemplo: a movimentação de terra necessária para uma obra exige intenso tráfego dos caminhões por determinada estrada; após o início do projeto, a via é concedida pelo Estado para uma empresa privada, que passa a cobrar pedágio. Esse custo adicional não previsto no contrato causará um desequilíbrio em relação às condições contratuais originais e deve ser ressarcido, já que o contratado não tinha como saber com antecedência sobre esse gasto.
DISPUTA
O melhor caminho na busca do ressarcimento da parte prejudicada deve ser, a princípio, a negociação. Não sendo possível, existe a possibilidade de mediação, de arbitragem e, em último caso, de resolver a questão na justiça. “Essa última opção é a pior de todas, já que costuma demorar, sai caro, e o resultado é imprevisível”, comenta Camargo.
A mediação é um processo no qual existe a interveniência de um terceiro, especializado em fazer com que as partes cheguem à conciliação. Já o tribunal de arbitragem é um instituto reconhecido por lei. Conta com um árbitro que analisará o caso e emitirá uma sentença, definindo quem tem razão. Diferentemente da mediação, que é um processo de facilitação, a arbitragem gera uma sentença que deve ser acatada pelas partes. Tem valor legal, não podendo ser questionada na justiça caso o processo de arbitragem tenha sido feito de maneira correta. “As vantagens desses instrumentos alternativos é que o custo tende a ser menor, e a questão em disputa se resolve com uma celeridade muito maior do que na justiça”, afirma o consultor.
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PROVAS
Para evitar conflitos relacionados com desequilíbrios econômicos e financeiros em contratos, o professor diz que “é melhor se prevenir”. Na prática, isso significa fazer uma análise crítica do contrato, verificando os aspectos problemáticos, e renegociá-los. Caso contrário, é melhor fazer uma correta provisão de reservas e de medidas mitigatórias de riscos e dos problemas identificados. “Durante a execução do projeto, é fundamental registrar e colher provas de toda e qualquer evidência de desvios em relação às condições originais do contrato, para que seja possível montar processos de reivindicação dos desequilíbrios. O contratante só ressarcirá o contratado se houver provas muito claras de que o desequilíbrio é real”, ensina.
É importante, assim, que o gestor de contratos utilize um software de controle de documentação e registro de informações de situações que possam criar desequilíbrios contratuais. Camargo aconselha a utilização de programas que permitem armazenar os documentos em todas as suas versões, incluindo desenho, cartas, atas de reunião, relatórios, e-mails, registros da qualidade, além de áudios, vídeos e fotos.
CUIDADOS
“As partes contratantes devem se manter atentas e corrigir tudo aquilo que gera desequilíbrios econômicos e financeiros”, afirma Álvaro Camargo
A análise crítica de um contrato começa pela leitura atenta, para a identificação dos itens problemáticos. É o caso de cláusulas de impossível cumprimento e daquelas que contradizem outros elementos do contrato. Há, ainda, as cláusulas que precisam ser esclarecidas, as responsabilidades compartilhadas com o contratante e com terceiros e cláusulas que impõem excessivo ônus – as chamadas “cláusulas leoninas”.
“Esses são aspectos que costumam gerar problemas. Para se prevenir, é interessante gerar um documento eletrônico em hipertexto, no qual seja possível colocar a íntegra do contrato, com links de acesso às informações de aviso sobre possíveis problemas ou cuidados que o gestor do projeto deve ter. Atualmente, com a tecnologia de documentos para plataformas na web, fica fácil disponibilizar a análise crítica de contrato em uma intranet, que pode ser acessada de qualquer dispositivo. Dessa forma, o contrato e sua análise crítica correspondente ficam ‘portáteis’, podendo ser levados nas reuniões com o contratante. Os gestores se sentem mais seguros quando têm a informação certa facilmente acessível na hora em que precisam”, relata Camargo.
Para que todos os envolvidos possam entender melhor as suas obrigações e os seus direitos, o ideal é produzir um manual do contrato, priorizando o uso de elementos gráficos e fluxos de trabalho. “É evidente que fazer isso dá trabalho e custa dinheiro. Mas, em um contrato de grande porte, com altas somas envolvidas, compensa ter um documento que facilite o entendimento”, conclui Camargo.
Redação AECweb / Construmarket
Colaboração técnica
Álvaro Camargo – Profissional com 36 anos de experiência na área de gerenciamento de projetos, com atuações nos Estados Unidos, Japão, Angola, Argentina e Colômbia. Já atuou em processos de arbitragem de grandes projetos, como no projeto do metrô em São Paulo.
É docente de cursos de pós-graduação na Fundação Getulio Vargas e consultor em projetos estratégicos em grandes empresas nacionais e multinacionais. Publicou, como coautor, os livros Manual de Projetos Infraestrutura e Engenharia e Gerenciamento de Stakeholders em Projetos, pela Editora da Fundação Getulio Vargas.