A gestão de suprimentos e a customização

A customização em massa na construção civil é uma tendência crescente.
A gestão de suprimentos e a customização

A customização em massa na construção civil é uma tendência crescente que teve início nos grandes centros urbanos, e aos poucos chega a cidades menores. Essa tendência se contrapõe ao modelo anterior que visava alcançar um produto padrão destinado a um público heterogêneo.

Hoje, é possível adequar o produto ao cliente, mesmo que esse produto seja um produto de massa, com características de padronização. A dissertação de mestrado de João Tomé de Araujo Filho, da Universidade Federal da Paraíba, analisou esse processo de customização em massa no subsetor de edificações da construção civil e seus desdobramentos em relação à cadeia de suprimentos.

Um dos objetivos foi averiguar quais elementos são customizados e como se dá esse processo. “O cliente está cada vez mais disposto a interagir com o meio produtivo, na busca conjunta de obter um produto mais adequado aos seus interesses e necessidades, mesmo que tenha que pagar mais por isso”, diz Araujo Filho. Foram identificadas 18 etapas customizáveis no setor imobiliário e, em quase todas, a participação do cliente vai além de simplesmente informar seus requisitos.

Para cada uma destas etapas, o cliente dispõe de um quadro com várias opções. Ali são informadas quais as limitações daquela fase (o que não se pode mudar); como a informação é repassada para a empresa; como a informação circula pela empresa; quem é responsável pela aquisição do material; quem paga por essa aquisição; quem é responsável pela execução ou aplicação (cliente ou empresa); quem é responsável em cobrir os custos com execução/aplicação (cliente ou empresa); entre outras.

Baixe aqui um guia de melhores práticas na gestão de suprimentos da construção civil.

Araujo Filho explica que o envolvimento direto do cliente é fator decisivo para a efetiva configuração do imóvel de acordo com seus desejos.

“Este envolvimento precisa de um maior acompanhamento técnico, uma vez que nem sempre o cliente tem a habilidade e o conhecimento para decidir sobre questões do processo construtivo que, na maioria das vezes, não faz parte do seu dia a dia. É uma parceria, por assim dizer, desigual. As diferenças, no entanto, são resolvidas, de forma que o resultado se expressa na satisfação do cliente. Para isto, existem várias configurações de formas de aquisição de materiais e de aplicação desses materiais”.

Para a parceria dar certo, Araujo Filho propõe o uso da estratégia de postponement na cadeia de suprimentos com a determinação da localização do ponto de desacoplamento para cada empreendimento.

“A customização em massa é uma estratégia de negócio que envolve, no mesmo processo construtivo, elementos da produção em massa (padronização) e da produção sob encomenda (personalização). Na prática, o produto começa sendo produzido em série, sem qualquer diferenciação, mas termina customizado, de acordo com a vontade do cliente e, portanto, diferenciados uns dos outros”, explica o engenheiro.

Para que isso ocorra, em alguma etapa da produção do imóvel deverá acontecer uma “quebra” ou mudança de enfoque. Isso significa que a produção deixará de ser em série e passará a ser personalizada a pedido do cliente – é quando ele entra com suas especificações.

“Este ponto chamamos de ponto de desacoplamento (DP), pois é quando a produção deixa de ser empurrada e passa a ser puxada”, explica Araujo Filho. Segundo ele, já é considerado DP quando o cliente interfere pela primeira vez no projeto para a customização.

“O DP ocorre na primeira etapa da construção, em que a produção deixa de ser padronizada, como na definição das paredes de alvenaria no layout do apartamento, do forro de gesso ou da instalação de bancadas. Mesmo que depois disso a produção voltasse a ser padronizada, o ponto de desacoplamento já aconteceu e, de alguma forma, as unidades produzidas já não seriam mais iguais.

Ainda que todos os clientes optassem por uma mesma planta e a construção terminasse com todas as unidades iguais, ainda assim haveria ponto de desacoplamento. O DP sinaliza que a estrutura produtiva está apta a receber modificações. É o ponto onde a produção pode sofrer mudanças, mesmo que, por algum motivo, não seja utilizada”, diz Araujo Filho.

“A parada que se dá na produção esperando que o cliente se manifeste, denominada postponement, é uma poderosa estratégia de negócio disponível para as empresas”, revela Araujo Filho.

O postponement é uma estratégia logística capaz de possibilitar às empresas agilidade e flexibilidade em suas cadeias de suprimentos, visando à redução de custos com perdas e manutenção de estoques.

“Foi um conceito visionário desenvolvido nos anos 50, como uma ferramenta de aplicação potencial no mundo empresarial. O retardo na configuração dos produtos deve ocorrer sempre que possível. Em casos extremos, até mesmo operações de manufatura devem ser transferidas para os canais de distribuição ou mesmo para o consumidor final. Em dez etapas, das 18, a compra do material e até a aplicação deste material poderia ser feita pelo próprio cliente. Isto é um exemplo de transferência de atribuição de uma operação de manufatura, que originalmente compete à construtora, para o próprio cliente executar”, explica Araujo Filho.

Como prática no gerenciamento da cadeia de suprimentos, o postponement objetiva facilitar e promover a customização dos produtos sem que haja perdas dos benefícios advindos da economia de escala, além de ser uma forma eficaz de lidar com variações de demanda e de possibilitar entregas mais rápidas e confiáveis.

Os custos decorrentes dos riscos e incertezas estão diretamente ligados à intensidade de diferenciação (de forma, tempo e lugar) que ocorre com os produtos, durante os processos de manufatura e logística. “A remodelagem do produto e do processo, visando retardar o ponto de diferenciação do produto, aumenta a flexibilidade do processo para lidar com as variações do mercado”, comenta Araujo Filho. 

A estratégia pode ser implementada de várias formas: no atraso das atividades de processamento ou montagem dos produtos; no retardo do transporte ou, até mesmo, por mudanças no esquema de distribuição.

“Desta forma, pode-se manter estoques centralizados aguardando o pedido dos clientes ou dos depósitos regionais. Algumas atividades finais que agregam valor ao produto podem ser separadas, em termos de localização e de tempo, das outras atividades de fabricação. Estas, por sua vez, se concentram na manufatura de produtos genéricos, em larga escala”, explica Araujo Filho, que diz que dessa forma se diminui a incerteza na previsão da demanda de muitos produtos variados para poucos produtos padronizados. 

CC MAPA COMPARATIVO

A ESTRATÉGIA NA PRÁTICA

A implicação prática do postponement é que operações de fabricação, transporte e diferenciação de produtos, devem ser retardadas, sempre que possível, sendo realizadas apenas quando solicitadas. É, portanto, um sistema de operações que se opõe ao sistema de produção tradicional, em que produtos são feitos para estoque, independente do pedido do cliente.

“O postponement é um sistema de produção puxada, onde as atividades são desencadeadas somente depois que o cliente efetua seu pedido. Com isso, é possível proporcionar, ao mesmo tempo, customização e redução de custos. Este último, como consequência da redução de transporte e de estoques de materiais”, explica Araujo Filho.

No contexto prático do postponement, os processos anteriores ao DP são considerados menos críticos e podem ser conduzidos pela abordagem tradicional de estratégia de produção. “A postergação da diferenciação do pedido permite às empresas serem mais eficientes em custo, mas à medida que o DP se posiciona mais próximo dos estágios finais da produção, menor é o grau de customização do produto oferecido ao cliente”, alerta Araujo Filho. 

Por outro lado, ele acredita que, no caso específico dos apartamentos customizados, o uso de programas de computadores para receber as especificações do cliente seria de grande ajuda neste processo, pois eles permitiriam incorporar as preferências mais recorrentes, tornando-os assim opções disponíveis em outros empreendimentos – próprios ou de terceiros, se o conhecimento viesse a ser compartilhado.

“Permitiria, também, a preparação da empresa para atingir uma gama maior de clientes, sem contar com a perspectiva de transformar fornecedores dos clientes em fornecedores da empresa”.

Neste sentido, a participação ativa do cliente no processo é um dos aspectos que contribuem e, ao mesmo tempo, dificultam a customização. A dificuldade se relaciona à multiplicação do número de fornecedores, uma vez que os fornecedores de cada cliente são fornecedores da obra.

“No entanto, este fator poderia ser transformado em benefício, caso cada cliente tornasse seus fornecedores disponíveis para os demais, numa integração quase perfeita da cadeia de suprimentos. Infelizmente, estes conceitos são bem explorados na teoria, mas não são correspondidos na prática, pela falta de articulação entre os membros da cadeia”, diz Araujo Filho.

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Redação AECweb


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Colaborou para esta matéria:

JOÃO TOMÉ DE ARAUJO FILHO é engenheiro e empresário. Graduado em engenharia elétrica pela Universidade Federal de Campina Grande, possui especialização em gestão financeira pela Universidade Estadual da Paraíba e mestrado em engenharia de produção pela mesma universidade.

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