Gestão Estratégica de Suprimentos: uma nova cultura

Gestão Estratégica de Suprimentos: uma nova cultura

Redação AECweb


Verdadeira expertise, a Gestão Estratégica de Suprimentos alça a atividade de compras, de nível operacional, ao âmbito estratégico das construtoras. Objeto de bibliografia e estudos acadêmicos, se impõe como uma mudança de cultura nas empresas brasileiras do setor. A função exige que o gestor tenha formação não apenas em engenharia civil, mas também na disciplina de Negociação dos cursos de Administração, além de conhecimentos sólidos de psicologia. O professor PhD Francisco Cardoso, da Escola Politécnica da USP, que orientou tese da mestranda Tathyana Moratti sobre diretrizes para implantação da gestão estratégica de suprimentos, explica que há uma metodologia a seguir para o sucesso dessa atividade, que abrange materiais, serviços (inclusive projetos) e equipamentos.

“Pela complexidade dos edifícios e volume de sua produção, as construtoras precisam da ajuda dos fornecedores, inclusive criando parcerias para o desenvolvimento de soluções”, diz Cardoso, ilustrando: “É o caso da construtora que está fazendo 20 mil casas para o Minha Casa, Minha Vida e chama, por exemplo, o fornecedor de esquadrias – item com alta incidência de custo na obra -, para desenvolverem juntos produtos que alcancem o desempenho adequado ao sistema construtivo que será usado, além de prazo e preço. Portanto, esse fabricante não é um simples fornecedor”.


Limitando-se a abordar os materiais, o professor explica que a primeira etapa da Gestão Estratégica de Suprimentos começa pelo domínio das informações pela construtora sobre o seu empreendimento, o que ela precisa e o que está falho. E, paralelamente, conhecer o mercado de fornecedores. “Os materiais devem ser analisados sob duas perspectivas. A primeira, é identificar aqueles que são mais estratégicos, seja do ponto de vista de custo; ou porque está no caminho crítico da obra, ou seja, se faltar, a obra atrasa; ou, ainda, porque é essencial para o desempenho da edificação. Voltando ao exemplo da esquadria, por essas razões, mesmo que não tivesse grande incidência no custo, deve ser colocada nessa faixa de produtos mais estratégicos”, ensina.

O passo seguinte envolve a análise dos mesmos produtos sob a ótica do fornecimento, separando-os em materiais de fácil obtenção – há vários fornecedores e competição entre eles – dos demais, em que há dificuldade para compra porque o mercado está desabastecido, tem mais demanda do que oferta, ou porque está nas mãos de monopólio ou oligopólio. “Enfim, padrões que distorcem o mercado”, comenta Cardoso.

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METODOLOGIA

Ao analisar os materiais sob essas duas óticas, a construtora consegue dividi-los em quatro quadrantes:

Mercado simples

a)    Material menos estratégico

b)    Material mais estratégico ou crítico

Mercado complexo

a)    Material menos estratégico

b)    Material mais estratégico ou crítico

De acordo com Cardoso, quando se tem um produto crítico num mercado complexo, é preciso traçar uma estratégia específica e quem vai negociar esse item é o diretor ou, até mesmo, o dono da construtora. Essa negociação é um processo que exige um excelente planejamento da construtora e visão de longo prazo. “Se o insumo crítico é o concreto, o diretor informa o fabricante que tem programada a construção de, por exemplo, dez obras para este ano e outras 15 para 2012, e quer discutir o fornecimento total”, diz, acrescentando que “a construtora que não estabelecer parceria comprará mais caro ou, simplesmente, não conseguirá comprar – e aí, ela para”.

Aqui, vale um parêntese de Francisco Cardoso: “Em décadas passadas, quando não havia uma política habitacional ou a certeza da produção futura de edificações, era impossível garantir ao fornecedor um volume de obras. Hoje, com a expansão da construção civil, a Gestão Estratégica de Suprimentos é essencial”.

Ainda no quadrante do mercado complexo, porém quando o material ou componente não é essencial para a construtora, a lógica da negociação é outra, ou seja, a empresa precisa garantir o fornecimento. Se o fabricante pedir 10% a mais, a construtora paga. “Estamos falando de materiais como cimento, argamassa pronta e areia, que não podem faltar na obra, mas não é uma esquadria – essencial. Estamos falando da construtora que vai usar concreto usinado e só precisa de cimento para algumas tarefas, mas é importante ter. O mesmo com a areia, que deve ter boa origem e não dar problema patológico, mesmo que custe mais caro”, afirma.

Já no segmento em que o material é crítico – por exigência de prazo, por exemplo -, porém se situa num mercado competitivo, a construtora vai negociar prazo. Ela compra do fornecedor A que ganhou a concorrência naquele momento e para aquela obra, porque garantiu a entrega. Numa outra obra, pode comprar do B ou do C. “É uma situação diferente daquela do concreto usinado da qual falamos antes, que, por ser um mercado complicado, levará a construtora a negociar e comprar sempre da mesma concreteira, se possível para obras no país inteiro”, destaca o professor.

O quarto quadrante se refere aos produtos de rotina para a construtora, fornecidos por um mercado competitivo. “São materiais que pedem a simplificação da contratação. Nesse caso, a empresa usa a ferramenta do e-commerce, como o Construcompras, ou seja, põe em leilão e compra o de menor preço”, recomenda Cardoso, referindo-se a insumos como madeira, rejuntes, arame, prego e telhas.

Para a construção de um empreendimento sustentável considerado estratégico, a empresa terá que identificar se os materiais de que precisa se inserem num mercado competitivo. “Se for, ótimo. Mas, se for crítico, ou seja, não tem fabricantes ou tem poucos, ou eles estão atrasados em tecnologia ou sem garantia de entrega, é preciso desenvolver um fornecedor. Isto implica investir para que um parceiro, em geral pequeno e sem ativo, desenvolva o produto, eventualmente mandá-lo para o exterior para se especializar, pagar os ensaios”, propõe. É comum acontecer com a construtora que tem obras em outros Estados e não há fabricante local. Mesmo se tratando de um produto simples, porém pesado ou volumoso, a solução é desenvolver um fornecedor.

OUTROS PASSOS


Dentro da metodologia de Gestão Estratégica de Suprimentos, depois de a construtora identificar onde os produtos de que precisa se encontram nos quatro quadrantes, o próximo passo é a gestão da negociação. Nessa etapa, em função de cada quadrante, ela vai se apresentar de uma forma diferente a cada um dos mercados. Segundo Cardoso, existem técnicas para essa atuação, os profissionais são treinados para negociar em cada uma dessas situações. Há toda uma formação, inclusive acadêmica: é a disciplina de Negociação dos cursos de Administração e, também, na área de psicologia, de comportamento. Nas livrarias, tem prateleiras inteiras de livros e manuais sobre essas técnicas que envolvem também comunicação e linguagem.

“O negociador não pode ser um predador, porque amanhã o negociador pode estar dependendo daquela empresa. Pelo histórico da construção civil, quando se compra material, a negociação é mais impessoal, mas o que se compra é menor preço e eventualmente prazo – não conhecem e nem adotam a gestão de suprimentos, nem este passo da gestão de negociação. Tem, também, a prática do ‘jeitinho’ ou de contratar o material do amigo. Mas, no caso da contratação de serviços a postura é pessoal e degrada o prestador de serviço, que mesmo aviltado, aceita por falta de opção. Encerrada a negociação, não haverá a próxima”, relata.

Francisco Cardoso ressalta que numa negociação estão sendo discutidas posições, e não pessoas. Portanto, toda agressão deve ser evitada – no futuro, um dos lados pode se tornar chefe ou subordinado do outro, ou mesmo colega de função. “É essencial mudar a cultura dessa área nas construtoras: a atividade de compras deixa de ser uma questão operacional para se tornar estratégica, que envolve planejamento, gestão da negociação e gestão do contrato”, diz, explicando: “É preciso que a empresa tenha um profissional treinado para essa função, pois os contratos precisam ser administrados diante de algumas situações específicas. Devem, por exemplo, prever quem vai assumir os riscos e qual a remuneração de quem os assume. E prever a cláusula de arbitragem, ou de um conselho de disputa – isto vale para grandes contratos, como um shopping center ou uma fábrica”, orienta, porque, afinal, a relação construtora x fornecedor tem que ser do tipo ‘ganha ganha’, principalmente nos quadrantes críticos.

Igualmente essencial é a área de gestão de relacionamento com o fornecedor, focada no longo prazo. Envolve o acompanhamento do fornecedor através de indicadores para avaliar se ele está com problemas, se precisa de ajuda, se o contrato está bem resolvido ou, se na próxima contratação devem ser feitas alterações, e entender que o fornecedor tem sua própria dinâmica. “É sempre bom verificar se ele está acompanhando a evolução da tecnologia do seu segmento e estimulá-lo a se atualizar. Enfim, não é mandar caixa de uísque e agenda no final do ano, é técnica relacional”, acrescenta Cardoso.

E, tanto na gestão de contrato, como na gestão de relacionamento é fundamental a integração do sistema de informação. “Perde-se muito tempo porque os softwares de gestão empresarial não falam com A, com B ou C. Numa obra, hoje, são 3 mil itens e a chance de algo dar errado é muito grande sem a integração da informação”, conclui.


COLABOROU PARA ESTA MATÉRIA

FRANCISCO FERREIRA CARDOSO Professor Titular da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, na área de Tecnologia e Gestão da Produção, do Departamento de Eng. de Construção Civil. Engenheiro Civil (1980) e mestre em Engenharia de Construção Civil e Urbana (1986) pela Escola Politécnica da USP e doutor em Economia e Ciências Sociais pela École Nationale des Ponts et Chaussées (França) (1996); livre-docente da USP na área de Tecnologia de Processos Construtivos (2003). Pós-doutoramento no Centre Scientifique et Technique du Bâtiment (França) (2001/02).

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