Terceirização de compras é incipiente, porém, promissora

Mulher segurando um celular em frente ao notebook fazendo compras online

Os materiais representam mais de 70% dos custos da construção de um edifício. A diversificação e a grande customização de itens ocorrida nos últimos anos têm tornado os custos mais elevados. Aqui e ali, vão surgindo pequenas empresas especializadas em compras para a construção civil.

“Mas, não existem ainda empresas formais dedicadas ao setor, ao contrário do que ocorre com as indústrias automobilística e moveleira”, diz o professor doutor Francisco José Kliemann Neto, da Faculdade de Engenharia Civil da UFRS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Um bom exemplo é o forte setor moveleiro gaúcho, que se alimenta de insumos e componentes através de uma grande central de compras.

“A indústria que fabrica móveis não é, necessariamente, especialista em aquisição desses materiais, atividade mais penosa para os fabricantes”, comenta o professor que orientou a tese do engenheiro civil Tiago Seyboth, da Omega Engenharia, sobre o tema.

“O próprio empresário de construtora identifica a área de compras como estratégica. No entanto, em minha pesquisa, apurei que a terceirização é uma tendência que estaria vindo para a construção civil”, diz o engenheiro, que identificou algumas empresas de pequeno porte focadas no setor, fazendo a aquisição da maioria dos materiais, porém não dos mais técnicos. Seyboth estudou a prática de compras de cinco construtoras gaúchas de pequeno e grande porte em relação aos materiais da curva A, B, C – classificação de materiais em volume e importância nos custos da obra.

“Os materiais da classe A, com destaque para aço, concreto e acabamento representam, em média, 20% do volume de itens e 80% do custo de uma obra; o B (tintas, impermeabilizantes, colas) chega a 15% do volume e entre 10 e 15% do valor; e o C (pregos, parafusos, materiais de fixação) fica em torno de 70% de volume e 10% do custo total”, lembra.

Baixe aqui um mapa comparativo de propostas para facilitar seu processo de cotação.

GRANDES E PEQUENOS

A expectativa do engenheiro, no início do trabalho, era de que as grandes construtoras tivessem a tendência de terceirizar os materiais B e C e, que as pequenas, optassem pela terceirização de todos os materiais ou os da classe A. “As grandes já têm o setor de compras estruturado e poder de barganha maior diante do grande volume de materiais que adquirem”, relata.

No entanto, o resultado foi diferente. As construtoras de grande porte mostraram interesse em terceirizar a compra dos materiais da classe A, de maior valor agregado. Ou seja, ao terceirizar a compra para empresas especializadas, poderiam conseguir valores mais baixos por esses produtos, aumentando sua lucratividade. Além disso, a empresa de maior porte não consegue uma redução importante nos custos dos produtos B e C que compense remunerar a terceirizada.

Para as empresas menores, mostrou-se mais interessante a terceirização dos itens B e C, porque não têm um setor de compras interno estruturado. Dessa forma, as negociações para a aquisição dos materiais da classe A permaneceriam com os proprietários da construtora, que teriam o domínio da negociação.

“Essa é a ótica dos entrevistados da pesquisa. Considerei, inclusive, que no futuro será interessante analisar os custos da terceirização e verificar as trocas compensatórias (trade offs) de terceirizar ou manter a atividade internamente”, comenta.

Na opinião do professor Kliemann, a terceirização dos itens A não significa que os proprietários deixarão de participar da negociação final, mantendo o poder de decisão de compra como ocorre hoje. “O concreto, por exemplo, que chega a representar até 20% do custo total da obra, estaria entre os materiais consolidados pelo terceirizado com melhores condições de negociação”, exemplifica, e continua: “O pequeno construtor, ao contrário do grande, não enxerga esse ganho e teme perder o domínio sobre a decisão estratégica das compras dos itens A, o que é equivocado”.

VIABILIDADE

A tendência da terceirização de compras se fortalece com a regulamentação em debate no Congresso Nacional. Para Kliemann, uma das vantagens diretas é de cunho fiscal, pois uma série de encargos sociais deixa de correr por conta da construtora.

No formato antigo, só era permitida a terceirização de atividades secundárias, não centrais da empresa como é a área de suprimentos. “No futuro, com a consolidação das compras terceirizadas, a construtora deixará de ter um departamento de suprimentos. E a empresa terceira se viabiliza pelo grande volume”, prevê.

Um bom exemplo é a área de movimentação de carga – guindastes, gruas, andaimes. Só se justifica para uma construtora ter equipamento próprio se utilizar acima de 60% do tempo. Já para o terceiro, que aluga para as construtoras, é um negócio viável porque compartilha com várias obras.

“É o mesmo raciocínio para materiais: uma empresa pode ter uma grande estrutura de pesquisa, análise e consolidação de materiais, compartilhando o custo com as empresas usuárias. Esse custo fica menor porque é dividido por muitas construtoras. Para os dois lados é financeiramente vantajoso”, diz.

QUALIDADE DOS MATERIAIS

A terceirização das compras traz, no entanto, o risco de comprometimento da qualidade dos materiais. “É possível que isso ocorra num primeiro momento”, alerta Kliemann, explicando que a empresa terceira certamente vai priorizar o preço, em detrimento da especificação técnica de qualidade feita pelo cliente. É bom lembrar que, hoje, as construtoras valorizam a qualidade com a restrição de preço.

“Com o passar do tempo, o mercado vai filtrando os fornecedores que abastecem essa matriz e, a médio prazo, o sistema se depura, afastando os aventureiros. O mesmo fenômeno aconteceu em outros segmentos da economia e, hoje, é abastecido por terceiros com produtos de alta qualidade, que ganham pelo volume”.

Terceirizando tudo ou nada, o essencial em compras é ter controle interno, governança. Para o professor, o estabelecimento de padrões de qualidade deve ser feito com muita clareza quando se terceiriza, procedimento que vai exigir mais da área de gestão de projetos. “A engenharia simultânea fica mais forte e há melhoria do projeto.

O resultado é que o sistema se depura”, ensina, dando mais uma pista: “A competição do futuro não se dará entre empresas fortes, mas entre arranjos produtivos competitivos, que são, na verdade, empresas competitivas articuladas entre si, puxadas por uma delas, ou pelo mercado, ou por um fornecedor, que crescem juntos. Na construção civil, porém, é mais difícil porque o grau de padronização de materiais e processos é menor”.


Redação AECweb / Construmarket


Leia também:

Quando comprar direto do fabricante? Veja dicas e recomendações

Comprar exige técnica e conhecimento


Colaboraram para esta matéria

Francisco Jose Kliemann Neto – Engenheiro metalúrgico formado pela UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul -, é mestre em engenharia de produção pelo UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina – e doutor em engenharia de produção pelo INPL – Institut National Polytechnique de Lorraine.

Atualmente, é professor titular do Departamento de Engenharia de Produção e Transportes da UFRGS (DEPROT/UFRGS), atuando também no programa de pós-graduação em Engenharia de Produção da UFRGS (PPGEP/UFRGS), onde leciona as disciplinas de Engenharia Econômica e Análise Multicriterial, Análise Gerencial de Custos, Custos em Serviços, Logística Industrial e Custos Logísticos, Gerenciamento de Processos e Avaliação de Desempenho.

Realizou pesquisas conjuntas com o Grupo de Análise de Valor, vinculado ao programa de pós-graduação em Engenharia de Produção da UFSC (PPGEP/UFSC) e já orientou cerca de 200 dissertações de mestrado e 40 teses de doutorado.

Tem mais de 40 artigos publicados em revistas nacionais e internacionais, e cerca de 200 em anais de congressos nacionais e internacionais. Consultor de empresas, tendo atuado em instituições como Itaipu Binacional, Frangos Macedo, Expresso Mercúrio – TNT, Transportadora Luft, entre outras.

Tiago Seyboth – Formado em Engenharia Civil pela UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, atua como Engenheiro de Projetos na empresa Omega Engenharia LTDA, auxiliando no desenvolvimento de projetos de geração de energia. É sócio da empresa Buyers Comércio e Serviços LTDA, especializada em Terceirização em Compras.

administrator:

This website uses cookies.