Estrelas do mercado imobiliário de algumas capitais brasileiras, os empreendimentos compactos e os chamados studios são entregues com eletrodomésticos e eletroeletrônicos já instalados, inclusive os equipamentos das áreas de uso comum, como lavanderia e academia. Seriam esses novos itens um desafio para a área de suprimentos das construtoras?
“O comprador profissional é especialista na metodologia de compras. Teoricamente, ele tanto compra tijolo como geladeira. É claro que o mercado fornecedor e a estratégia de negociação desses itens são diferentes, mas o processo é muito parecido”, afirma o engenheiro Gerson Dias, diretor Geral da LuccaGroup.
O comprador profissional é especialista na metodologia de compras. Teoricamente, ele tanto compra tijolo como geladeira Gerson Dias
Não há, portanto, dificuldade para o comprador profissional. Até porque ele já adquire produtos de engenharia com características muito diferentes entre si, como aço, cerâmica ou instalações elétricas. Ele lida, no dia a dia, com culturas e poder de negociação de segmentos de fornecedores bastante particulares, de cada um dos milhares de sistemas e materiais que participam da obra.
Porém, muitas construtoras, principalmente as de pequeno e médio porte, ainda não vêm compras como uma área profissional. É usual que o cargo seja ocupado por alguém com experiência de obra, que vai se sobrepor à de suprimentos. Esse comprador terá, sim, dificuldade de adquirir esse tipo de item.
ESPECIFICAÇÃO
“Nem sempre a definição da marca do eletrodoméstico ou do armário embutido é feita pelo comprador da construtora, mas pela área de engenharia de produto da incorporadora, com a qual o comprador vai atuar diretamente. É comum, inclusive, que essa definição ocorra antes do início da obra, no momento de lançamento do apartamento decorado”, relata Dias.
O intuito da incorporadora e do fabricante é aliar a força das suas marcas. A estratégia é interessante para o fornecedor, pois seu produto servirá de referência para quem visita o estande. Até mesmo para aqueles que não vão comprar um imóvel, mas que querem conhecer as soluções para usar na sua casa. “Esse segmento imobiliário representa um novo canal de vendas para os fabricantes”, comenta.
O consultor conta que já teve a experiência de estabelecer acordos com fornecedores, válidos, inclusive, para alguns empreendimentos que ainda seriam lançados. “Negociamos um percentual de descontos em cima do preço de tabela de mercado”, diz, acrescentando que o produto fornecido de padrão AAA agrega valor ao preço do imóvel.
A estratégia funciona quando a marca tem reconhecido valor de mercado e o empreendimento é de alto padrão. Já os imóveis em que o apelo é o preço são equipados com produtos de qualidade, mas de perfil igualmente popular. “Afinal, grandes marcas custam dinheiro”, completa Dias.
CUIDADOS
Entre o momento de acordo com o fornecedor e a entrega do empreendimento, podem se passar dois ou até três anos. Nesse período, o fabricante terá lançado novos produtos. Para substituir o modelo instalado no decorado pelo atual, será preciso que o comprador e a equipe de produto acompanhem as novidades daquela empresa com a qual foi feito o acordo comercial.
“A construtora não pode entregar, hoje, um cooktop que saiu de linha, um produto ultrapassado. É preciso atualizar a escolha, mantendo as especificações do que foi apresentado inicialmente ao cliente”, diz. Essa substituição ocorre, inclusive, com materiais de acabamento, como a cerâmica – indústria de grande agilidade no lançamento de novas linhas.
A experiência do consultor mostra que nem sempre a área de compras segue esse passo a passo de melhores práticas. Muitas vezes, a equipe de produtos da incorporadora faz a substituição do item e sequer avisa o comprador da construtora.
“Exceto quando se trata de um comprador profissional, que monitora o mercado e identifica a obsolescência do produto. Aí é ele quem procura a incorporadora sugerindo a troca. Ele passa a ser a porta de entrada de inovação do mercado. Leva a novidade tanto para a engenharia quando o material é técnico, quanto para as áreas de arquitetura e de produtos, no caso de item de caráter estético”, destaca Dias.
GARGALOS
A garantia dos itens que equipam o imóvel é de responsabilidade dos fornecedores. Ou seja, a construtora não é co-responsável se o problema for de fabricação do item. Em geral, o comprador do apartamento vai arrolar a construtora, porque foi quem vendeu o imóvel e está mais perto dele. Ela, porém, não tem como assumir eventual defeito de fabricação de uma geladeira, por exemplo. Mas acaba fazendo a interface entre o cliente e o fornecedor, que também pode ser procurado diretamente através de seu canal de pós-venda.
“Muito mais do que comprar bem esses itens, a logística e a instalação são os maiores gargalos”, alerta. O fato é que o comprador de imóvel não equipado levará até seis meses para finalizá-lo e poder se mudar, enquanto paga aluguel onde vive. O investidor que adquiriu o apartamento para locação também precisa finalizar tudo para poder colocá-lo no mercado.
“Assim, entregar o imóvel com esse ‘recheio’ tem um aspecto preponderante de conveniência para o comprador”, comenta o consultor, lembrando que essas instalações normalmente são feitas simultaneamente às atividades de final de obra. Ou seja, a instalação dos armários embutidos, do cooktop e geladeira terá que conviver com a etapa de gesso e pintura, por exemplo.
Essa logística de itens delicados sendo movimentados e instalados junto com a parte bruta do acabamento de obra se revela um grande desafio. Exige cuidados com os quais as construtoras não estão acostumadas. E o canteiro não é um ambiente propício para itens tão frágeis como eletrodomésticos e eletroeletrônicos. É impensável, por exemplo, movimentar aparelhos de televisão com empilhadeira.
“Portanto, quando pensamos nas atividades de logística e movimentação no canteiro, vemos dois mundos que não combinam. Ou que não deveriam estar acontecendo simultaneamente. O ideal seria finalizar completamente a obra para, então, receber, armazenar, movimentar e instalar esses itens”, ressalta.
Essa hipótese acaba sendo descartada pelas construtoras, por comprometer o prazo de entrega do imóvel em, pelo menos, dois meses. Ao optar pelas tarefas simultâneas, elas devem investir no planejamento de execução de obra e de logística, para conseguir que esses dois mundos convivam sem que um afete o outro. E mesmo depois de tudo instalado, é preciso proteger os equipamentos e isolar essas áreas para evitar danos.
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Nos empreendimentos compactos e do tipo studio, é interessante aproveitar as melhores práticas do segmento de hotelaria Gerson Dias
“Nos empreendimentos compactos e do tipo studio, é interessante aproveitar as melhores práticas do segmento de hotelaria. Mesmo que a construtora não trabalhe com empresas especializadas nesse tipo de instalação, ela pode ter uma equipe própria habilitada – que não é a mesma que faz a obra – ou contratar os produtos instalados. Neste último caso, surge um novo problema, que é ter vários profissionais atuando a um só tempo dentro da unidade”, diz.
O consultor recomenda planejar essas instalações por “ondas” de itens. Nesse sequenciamento, primeiro entram os mais brutos, como a marcenaria dos armários embutidos, em três pavimentos. Finalizados, começam a ser instalados os eletrodomésticos na mesma sequência, enquanto a marcenaria está subindo mais três andares, e assim por diante.
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Redação AECweb / Construmarket
Colaboração técnica
Gerson Dias – Formado em Engenharia Mecânica pela UNICAMP, com diversos cursos de especialização. É diretor Geral da Lucca Group, consultoria especializada na melhoria da performance e redução de custos na cadeia de suprimentos. Anteriormente, foi Diretor de Supply Chain da Cielo, Gafisa, Atento, Unibanco, Tradecom e Jaakko Poyry.
Possui mais de 20 anos de experiência em Supply Chain Management, tendo atuado em distintos segmentos de mercado desenvolvendo a reestruturação e posicionamento estratégico da área de suprimentos e liderando diversos projetos de consultoria, strategic sourcing, automação de processos e outsourcing da cadeia de suprimentos.