Instrumentos à disposição da cadeia de suprimentos

Uma mulher está segurando uma prancheta dentro de um galpão de suprimentos.

O sucesso de uma obra está diretamente relacionado à sincronia e ao gerenciamento correto da cadeia de suprimentos. Até porque, o produto final da construção civil depende do fornecimento in loco de materiais e componentes, condição diferente dos processos fabris de manufaturados.

“Atrasos, falta de confiabilidade na qualidade do produto, ineficiência do fluxo de informação e problemas de fornecimento podem frustrar a entrega da obra, ou mesmo inviabilizá-la”, diz a professora Dra. Patrícia Stella Pucharelli Fontanini, da PUC-Campinas.

Para ela, a correta compreensão e identificação da cadeia de suprimentos, dos fluxos de materiais, de informação e seus respectivos elos e agentes são cruciais para o sucesso do empreendimento na construção civil.

“Hoje, o grande desafio é garantir a redução de desperdícios na cadeia de suprimentos, maximizar os benefícios e garantir a sustentabilidade do produto final ao longo do seu ciclo de vida útil”, revela a engenheira.

Normalmente, observa-se o sistema de fornecimento de uma empresa de forma fragmentada, na qual cada agente fica responsável apenas pela entrega do seu material específico.

Essa forma desconectada de pensar prejudica o ritmo do sistema de ressuprimento. “Não existem mais metas individuais, mas sim, uma meta comum. A entrega do produto para o cliente final é o sucesso de todos os agentes envolvidos. A falta do produto, por sua vez, corresponde ao fracasso da cadeia”, salienta Fontanini.

Antes de abordar os instrumentos disponíveis para o gerenciamento da cadeia de suprimentos, Patrícia Fontanini lembra um pouco da sua evolução histórica: “No início do século XX, ocorreu a mudança da produção automobilística artesanal para a produção industrial em massa. Ao término da segunda guerra mundial, os japoneses decidiram criar uma indústria automobilística baseada nos conceitos da fábrica Ford e adaptada ao mercado japonês, que solicitava diversidade e demandava uma ampla variedade de produtos, com qualidade assegurada e custos reduzidos. As soluções encontradas pela Toyota para se inserir nesse mercado foram a produção em fluxo, as tecnologias altamente flexíveis, os processos à prova de erros e organização por família de produtos para garantir variedade na produção”.

Taiichi Ohno, criador do Sistema Toyota de Produção (Toyota Production System – TPS), definiu a base do sistema que daria início ao novo paradigma produtivo na tentativa de total eliminação de desperdícios. Para alcançar este objetivo, estabeleceu dois pilares de sustentação para o sistema: just-in-time e a autonomação.

Baseados nestes pilares, posteriormente foram definidos cinco princípios que definem a filosofia da mentalidade enxuta conhecida atualmente: identificação do valor para o cliente final, identificação da cadeia de valor, garantia do fluxo do processo, garantia da produção puxada e busca contínua da perfeição.

“Durante a aplicação dos princípios nos processos produtivos logo se percebeu o impacto positivo na redução de desperdícios. A implementação dos princípios se propagou ao longo da cadeia de suprimentos das empresas. Para isso, as empresas passaram a mapear e identificar as cadeias de suprimentos de seus produtos, planejar estratégias de parcerias, e contratos de longo prazo entre seus agentes, além da preocupação constante com a otimização dos fluxos de informação”, relembra.

“Desde então, um dos desafios é aplicar estes princípios nas cadeias de suprimentos atuais e nos diferentes setores”, afirma.

Baixe aqui um guia de melhores práticas na gestão de suprimentos da construção civil.

Pensamento enxuto

Para a melhor compreensão do sistema de fornecimento da cadeia analisada a professora recomenda a realização de um mapeamento do fluxo do material que se deseja analisar.

Para a realização deste mapeamento, a filosofia enxuta disponibiliza a ferramenta chamada Value Stream Macro Mapping (VSMM) ou Macro Mapeamento do Fluxo de Valor (MMFV).

Quando aplicada corretamente ela permite em um único mapa, a identificação dos principais processos e das pessoas neles envolvidas, seus tempos produtivos, estoques, transportes, distâncias e, por fim, o lead time total do processo mapeado.

“A principal informação apresentada é o tempo real de valor agregado, ou seja, o tempo que o produto necessita para se transformar, a partir da matéria-prima, em produto final para o consumidor na ponta da cadeia de suprimentos”, explica a engenheira.

Após o mapeamento do estado atual da cadeia de suprimentos, é possível analisar algumas variáveis disponíveis a partir da metodologia sugerida por Womack e Jones (2004), tais como lead time e tempo real de agregação de valor.

Ao se comparar o lead time total da cadeia com o tempo real de agregação de valor para a produção, é possível observar um significativo desperdício de produto.

“Muitas vezes, observa-se até 60% do tempo gasto do lead time total com esperas e estoques desnecessários, sendo que o tempo real de processamento fica na ordem de 10% do lead time total medido. Com base nestas informações, é possível sugerir inúmeras melhorias e modificações internas e externas à cadeia de suprimentos, para que otimizem os processos produtivos e minimizem os desperdícios com tempo, recursos financeiros e materiais”, diz Fontanini, observando que é importante definir indicadores de desempenho para monitorar periodicamente as melhorias expressas nos macromapas de fluxo de valor.

A filosofia Lean Thinking ou Mentalidade Enxuta prega que conceitos como valor, fluxo e produção puxada, quando aplicados maciçamente e de forma consistente, podem impactar positivamente no processo produtivo ou administrativo de uma organização.

Para a engenheira, além de reduzir consideravelmente o desperdício da cadeia de suprimentos, o Lean Thinking consegue identificar e eliminar inúmeras atividades e processos, que não agregam valor ao produto final e que normalmente são custeadas pelo cliente na aquisição do produto.

São inúmeros os indicadores propostos para controlar o desempenho da cadeia de suprimentos. Muitos deles sugeridos pelo Supply Chain Council (entidade mundial de profissionais de gestão de suprimentos), são monitorados pelas organizações como garantia de qualidade no serviço logístico de entrega.

“Entretanto, ao observar a filosofia enxuta e seus princípios, dois indicadores merecem destaque na análise da cadeia de suprimentos: nível de serviço e volume de estoque. Os dois estão diretamente ligados a duas variáveis importantíssimas na filosofia enxuta: intervalo de pedido (em tempo) e tempo de reposição (tempo do fluxo de informação). Se os agentes envolvidos na cadeia de suprimentos tiverem um controle moderado na estabilização destas duas variáveis, é possível garantir um nível de serviço alto, com estoque aceitável, ao longo da cadeia de suprimentos”, revela Fontanini.

Este controle pode ser obtido a partir da aplicação de outra ferramenta simples da mentalidade enxuta, o just-in-time no fornecimento de produtos para os agentes da cadeia.

A professora comenta que grandes empresas construtoras trabalham com a implementação dos princípios da mentalidade enxuta em suas cadeias de suprimentos, entretanto, de forma tímida.

“É possível observar uma preocupação crescente por parte dos dirigentes e responsáveis pelos departamentos de planejamento e de compras em idealizar de forma correta o lead time dos produtos críticos.

Eles procuram, ainda, identificar os agentes da cadeia de fornecimento e estabelecer contratos de longo prazo com seus fornecedores e parceiros, para garantir o aumento na qualidade do nível de serviço oferecido aos seus clientes finais”, diz.

Desacerto na cadeia de suprimentos

Uma preocupação que deve ser levada a sério pelos dirigentes é a falta de sincronia entre os agentes da cadeia de suprimentos, ou descompasso entre os elos.

“Esse desafino entre o fluxo de informações e o fluxo de materiais dos agentes da cadeia de suprimentos resulta no que encontramos na bibliografia como efeito chicote, que impacta diretamente nas oscilações dos níveis de estoques entre os elos da cadeia. A falta de sincronia influencia negativamente o desempenho de cada agente, prejudicando os relacionamentos entre as diversas camadas da cadeia de suprimentos. Existe uma tendência de responsabilizar outros elos da cadeia, pois cada um dos agentes, normalmente, se preocupa apenas com os seus processos, seus estoques e principalmente com seu nível de serviço individual. Dessa maneira, o efeito chicote pode levar à perda de confiança entre os agentes e dificultar o compartilhamento do fluxo de informações, agravando a falta de coordenação e impactando negativamente no nível de serviço da cadeia de suprimentos. Consequentemente, a confiabilidade da entrega do produto ao cliente final é reduzida”, explica Fontanini.

A professora também acrescenta que, para que uma cadeia de suprimentos tenha indicadores altos de nível de serviço e ótima eficiência em suas entregas, os agentes, conjuntamente, devem produzir a quantidade e qualidade correta do produto no momento certo e ainda garantir sua entrega no prazo acordado com o cliente.


Redação AECweb / Construmarket


COLABOROU PARA ESTA MATÉRIA

Patrícia Stella Pucharelli Fontanini é formada em Engenharia Civil pela UNICAMP, cursou especialização em Análise de Sistemas pela PUC Campinas, foi Lead Assessor e Consultora de Qualidade e Meio Ambiente pelo BVQI, e engenheira de qualidade no CPqD.

Realizou mestrado em Engenharia Civil pela UNICAMP e finalizou o doutorado em Gestão da Cadeia de Suprimentos na Engenharia Civil pela mesma universidade.

Já ministrou aulas para a Pós-Graduação nas áreas de planejamento estratégico e cadeia de suprimentos.

Atualmente é professora do Centro Tecnológico da Pontifícia Universidade Católica de Campinas com dedicação exclusiva. Ministra disciplinas na área de Tecnologias de Gestão, Cadeias de Suprimentos e Administração Estratégica.

Participa academicamente de Projetos com o apoio FINEP e FAPESP. Avaliadora de artigos de congressos da área de gerenciamento da construção, e também avaliadora da Revista Ambiente Construído.

Tem experiência nas áreas de Gerenciamento de obras e Produção Industrial. Participa de pesquisas acadêmicas nas áreas: sustentabilidade, cadeia de fornecedores, mapeamento de processos, fornecedores e qualidade e atua como membro do conselho da Faculdade de Administração da Pontifícia Universidade Católica de Campinas.

É orientadora de pesquisas relacionadas à aplicação de Lean Construction e Sustentabilidade no setor da construção civil.

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