Entenda a influência do tipo de contrato nas compras

Duas pessoas analisando contratos

A atividade de compras e suprimentos é diretamente influenciada pelo tipo de contrato celebrado entre a construtora e os proprietários do empreendimento. No contrato por preço global (também chamado de turnkey), não são especificados itens unitários para materiais e serviços.

“Com o valor total do contrato já definido, o risco passa a ter maior peso para o contratado pela execução do empreendimento”, diz Walter Freitas, presidente da Associação Nacional de Gestores de Contratos.

A construtora poderá ter cobertura financeira referente a qualquer valor excedente se forem acolhidos os claims (pleitos contratuais). É o caso de ocorrências como mudança de escopo, greve ou chuvas que paralisem as obras, que podem gerar custo adicional e alteração do prazo de entrega. “Alguns desses eventos já estão previstos em legislação”, completa.

A aquisição de itens importados ou com preços dolarizados também deve ser objeto de cláusula contratual, de maneira a evitar que a construtora seja prejudicada diante de uma brusca elevação da moeda norte-americana.

“É recomendável que as partes estabeleçam um gatilho, a partir do qual o valor previsto inicialmente seja revisitado”, sugere o especialista, lembrando que esse procedimento vale para estabelecer teto de aumento excessivo de preços para outros materiais e sistemas.

O resultado do acordo não reside apenas na assinatura de um bom contrato, seja ele por preço global ou administrado, mas no alinhamento das equipes envolvidas com o contrato na execução do projeto Walter Freitas

Contrato por preço administrado

Já no contrato por preço administrado, há uma estimativa de orçamento que considera um percentual de administração sobre o valor de compras. As aquisições têm maior visibilidade, em geral, com explicitação de valores unitários. Muitas vezes, a gestão é compartilhada pela contratante e a contratada. “É mais transparente”, destaca Freitas.

Nesse caso, a área de suprimentos goza de mais liberdade para buscar no mercado soluções que assegurem reduções do orçamento estimado. Porém, esse tipo de acordo gera um risco maior à empresa contratante, porque, mesmo prevendo limites e gestão, o custo total pode fugir do previsto diante de ajustes necessários ao projeto.

“Algumas incorporadoras têm adotado um mix desses dois tipos de acordo, contratando a construtora por preço global, mas selecionando itens que vai comprar diretamente, por ter melhores condições de aquisição”, conta o consultor, para quem esta não é uma boa prática, porque os materiais comprados em separado podem não atender ao cronograma da obra ou não corresponder à especificação.

EPC PARA GRANDES OBRAS

A opção por um dos dois tipos de contrato depende da cultura do proprietário do empreendimento e da dinâmica e da complexidade do projeto que será construído. “O contrato do tipo turnkey é mais utilizado em construções que incluem, por exemplo, integração de equipamentos eletromecânicos.

Porém, é preciso considerar que, ao orçamento apresentado pela construtora, foi acrescida ‘gordura’, para cobrir seus riscos pelo período da obra”, comenta Freitas. Para a aplicação de boas práticas nesse tipo de contratação, as empresas buscam utilizar o modelo de contrato chamado Engineering, Procurement and Construct (EPC), celebrado geralmente para grandes obras.

Esse modelo envolve o projeto da obra, os serviços de engenharia, a construção em si e o fornecimento de materiais e equipamentos, com montagem, instalação, testes e comissionamento. A estrutura da contratação EPC suporta as demandas que englobam seguros, projetos de financiamento, padrões contratuais e fiscalização, entre outras, que estão previstas na International Federation of Consulting Engineers (FIDIC).

É do canteiro que vêm as avaliações de desempenho, validando ou alterando o perfil daquilo que foi comprado Walter Freitas

“Aí está a boa prática da gestão de contratos”, enfatiza Freitas, explicando que o engenheiro responsável e a equipe de obras devem conhecer muito bem as condições constantes do EPC e ficarem atentas ao acompanhamento do contrato in loco. Isso envolve o registro, pelo engenheiro responsável, do movimento do canteiro no Diário de Obra (RDO), apresentado e assinado pelo cliente.

É bom lembrar que alguns claims poderão ser baseados em evidências registradas no diário, que é parte da documentação contratual. “Tem o case de uma obra em que o cliente dispensou o diário, dizendo que era muita burocracia. O engenheiro, inexperiente, aceitou a decisão e não fez o diário. Ocorreu um problema no canteiro que não foi, portanto, documentado, e a construtora foi prejudicada no claim para cobrir os custos adicionais de maneira adequada”, conta Freitas.

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ERRO COMUM

Algumas construtoras cometem o erro de adotar um formato de orçamentação diferente do utilizado no controle das entradas de materiais e serviços no canteiro. Dessa maneira, fica difícil comparar o que foi orçado com as entregas. “A empresa não sabe, nesses casos, se o processo de compras está caminhando de acordo com o previsto no orçamento, principalmente quando se trata de contrato por preço administrado”, alerta.

Daí a importância da adoção de modelos mais ‘standards’, que permitam que o orçamento possa ser cotizado com a dinâmica da obra. Retroalimentado com as informações do canteiro, o orçamento é melhor monitorado. “O resultado do acordo não reside apenas na assinatura de um bom contrato, seja ele por preço global ou administrado, mas no alinhamento das equipes envolvidas com o contrato na execução do projeto”, ressalta o especialista.

Freitas recomenda à área de compras e suprimentos observar algumas práticas que estão melhorando os resultados das construtoras que já as adotam. Entre elas, está a participação na definição da demanda, ainda na fase em que o projeto começa a ser desenhado, e não apenas quando ele chega ao departamento para iniciar o processo de aquisições.

Assim, os profissionais de compras podem colaborar com a área técnica, informando o que está acontecendo no mercado, o que pode ser melhor explorado e quais são as inovações do momento, entre outras sugestões.

Outra prática importante é a consciência, por parte da área de compras, de que um de seus parceiros fundamentais está no canteiro, e de que ele também deve ter noção do que é acordado no contrato. “É do canteiro que virão as avaliações, por exemplo, de desempenho, validando ou alterando o perfil daquilo que foi comprado”, finaliza.


Redação AECweb / Construmarket


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Colaboração técnica

Walter Freitas – Formado em Ciência da Computação, tem pós-graduação em Tecnologia da Informação (FIA/FEA-USP) e especialização em Gestão de Empresas (FGV-SP). É diretor da Level Group e fundador e presidente da Associação Nacional de Gestores de Contratos (ANGC). Professor da Fundação Instituto de Administração da Universidade de São Paulo (FIA-USP) no curso de formação de Gestores de Contratos e em outras universidades, em disciplinas nas áreas de Administração e Tecnologia de Informação.

Membro da IACCM – International Association for Contract and Commercial Management (EUA) e Coordenador do Congresso Latino-Americano de Gestão de Contratos. Colaborador do Instituto Information Management. Experiência executiva em empresas como HP e Dell. Autor do livro Gestão de Contratos – Melhores Práticas Voltadas aos Contratos Empresariais e coautor do livro Compras Estratégicas, capítulo “Gestão de Contratos em Compras”.

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