É muito comum a construtora ter um comprador preparado para negociar, com estratégias definidas para as transações. Só que, na maioria das vezes, essas metas não estão alinhadas às táticas da empresa.
“É fundamental conhecer o momento da construtora. Por exemplo, quando o comprador vai negociar pelo menor preço, ele tem que entender que essa é a necessidade da companhia. Porque, muitas vezes, a corporação tem 40 obras e o fluxo de caixa está desequilibrado, em uma condição ruim. Então é mais interessante pagar um pouco mais em uma determinada compra e priorizar a forma de pagamento, optando pelo parcelamento”, explica Rodrigo Sabino, professor de Pós-Graduação da Escola de Engenharia Mauá e diretor Executivo da Conspar.
Ele reforça que, em muitas compras, o negócio firmado não necessariamente era a melhor alternativa para a empresa naquele momento.
“Na maioria das construtoras, o comprador não sabe o que está acontecendo no financeiro. É o caso da empresa que está precisando aliviar o fluxo de caixa, mas a discussão está acontecendo somente no nível de diretoria. É um perigo porque o comprador não conhece de fato as necessidades estratégicas da empresa. E isso piora muito se levarmos em consideração que algumas organizações acabam treinando os profissionais para serem operadores de ERP, que são sistemas de informação que integram todos os dados e processos em um único software da empresa”, alerta, contando que em suas aulas apresenta aos alunos a simulação de um pedido de compras, com erros comuns e os impactos que causam.
“Uma das falhas é o comprador negociando sem saber absolutamente nada a respeito do orçamento daquela obra, nem tampouco do budget da empresa”, diz Sabino.
PODER DE NEGOCIAÇÃO
É fundamental conhecer o momento da construtora. Por exemplo, quando o comprador vai negociar pelo menor preço, ele tem que entender que essa é a necessidade da companhia. Porque, muitas vezes, a corporação tem 40 obras e o fluxo de caixa está desequilibrado, em uma condição ruim. Então é mais interessante pagar um pouco mais em uma determinada compra e priorizar a forma de pagamento, optando pelo parcelamento
O mercado da construção civil difere dos demais quanto à grande quantidade de itens que participam de uma obra. “Em algumas construtoras um comprador é responsável pela aquisição de cerca de seis mil itens.
Para adquirir todos esses materiais, o profissional passa por diferentes condições de logística, variações mercadológicas, matérias-primas, cadeia produtiva entre outras. Com que condição esse comprador irá negociar?”, indaga Sabino. E explica: “Negociar não é somente conseguir o melhor preço e a melhor condição de pagamento. Muitas vezes, é preciso conseguir a melhor condição logística, um plano de entregas eficiente, entre outros critérios”.
É relevante o fato de que a construção civil tem muitos materiais que não dão poder à negociação, conceituada pelo professor como “a questão da legitimidade”. Para explicar, ele compara com o que ocorre no supermercado: “Estão lá os produtos com os preços e é impossível para o consumidor negociar esses valores.
Aquela é a condição e pronto. A legitimidade na construção civil, por sua vez, acontece com alguns materiais como o aço, concreto, cimento, entre outros, que têm valores e condições de pagamento bem rígidos, inflexíveis, conferindo pouco poder de negociação para quem está comprando. É preciso tomar bastante cuidado, principalmente quando o prazo para a compra é curto, o que pode piorar ainda mais a transação desses materiais”.
ESPECIALISTA
Negociar não é somente conseguir o melhor preço e a melhor condição de pagamento. Muitas vezes, é preciso conseguir uma melhor condição logística, um plano de entregas eficiente, entre outros critérios
As grandes construtoras normalmente dividem os compradores por projeto ou por tipo de produto. “Eu acredito mais na proposta por produto porque o comprador vira especialista naquele segmento e, do ponto de vista do negociador, a informação, o conhecimento é muito importante”, diz, ilustrando: “Se vem um vendedor bem preparado, que sabe negociar, e percebe que o comprador não entende essencialmente do produto, certamente essa negociação vai pender. O comprador vai ‘deixar dinheiro na mesa’”, alerta Rodrigo Sabino.
Apesar de ainda existirem no mercado muitas construtoras que têm como determinante o preço, o que vem acontecendo atualmente é uma busca por melhores condições de entrega e de pagamento. Ele cita ainda o caso ocorrido há cerca de três anos, por conta do excesso de obras de infraestrutura na região de Barueri.
“Precisávamos comprar aduelas homologadas pela Sabesp para poços de visitas de saneamento e esgoto e eram poucos os fornecedores que tinham essa homologação. O mercado estava consumindo muito esse material e o prazo de entrega foi de 90 dias. Por sorte, já tínhamos previsto um tempo maior no cronograma, mas, mesmo assim, recebemos o produto depois de 180 dias”, conta.
Em momentos de grande demanda como o desse caso, os fornecedores ficam em uma condição confortável ao dizer que tiveram um problema e não vão conseguir entregar o material no tempo combinado.
“Essa também é uma obrigação do negociador. Buscar informação, saber o que está acontecendo no mercado. É preciso negociar em cima de fatos e não de suposições. Quando o profissional sabe, por exemplo, que o mercado está saturado, o indicado é ele ir até o fornecedor para conhecer a capacidade produtiva da empresa, tirar referência, saber o que a empresa tem de pedido, fazer ações de follow-up, entre outras.
Tudo isso é negociação, que só acaba depois da fase de consumo. Geralmente, uma negociação tem início com a identificação de uma necessidade e, depois, dos problemas. É realizada a transação, a compra, o produto é consumido, e é feita a avaliação do consumo. Só aí se encerra o negócio”, ensina Sabino.
TÉCNICAS DE NEGOCIAÇÃO
É preciso negociar em cima de fatos e não de suposições. Quando o profissional sabe, por exemplo, que o mercado está saturado, o indicado é ele ir até o fornecedor para conhecer a capacidade produtiva da empresa, tirar referência, saber o que a empresa tem de pedido, fazer ações de follow-up, entre outras. Tudo isso é negociação, que só acaba depois da fase de consumo
Uma das técnicas usadas em uma negociação é a chamada MAANA – melhor alternativa à negociação de um acordo – que precisa ser aplicada dentro de alguns parâmetros, limites. Para isso, é preciso se preparar.
“O indicado é que o comprador faça um roteiro do que vai ser negociado, quais são os objetivos, o que é essencial nessa transação, quais são os limites – isso quer dizer, qual é o máximo que eu posso pagar, quando eu posso pagar e em que condição de pagamento. Assim fica mais fácil alcançar o objetivo que é a MAANA, vulgarmente conhecido como nem para mim, nem para você”, diz o professor.
Mas além da MAANA, segundo Sabino, é preciso também saber os limites do fornecedor. E como é possível descobrir isso? “Além das técnicas de pesquisa, é importante conversar com outros clientes da empresa e conhecer a capacidade produtiva do fornecedor, entre outros procedimentos. Outra forma é usar a chamada técnica do funil, clássica e muito usada pelos negociadores. Consiste em começar fazendo perguntas abertas, onde o comprador terá um mar de informação”, afirma.
“Depois, é preciso identificar quais são os pontos críticos daquelas informações e começa-se a fazer as perguntas fechadas. No momento em que a conversa evoluiu bem, está agradável, as informações vieram todas e o fornecedor nem percebeu que te passou o ‘poder’, ele está nas suas mãos. É o momento de encerrar a negociação. Essa tática é muito importante, principalmente, quando são poucos os fornecedores existentes no mercado ou há somente um daquele produto”, comenta.
Quando já existe uma relação de fidelidade entre comprador e fornecedor, normalmente, as negociações são mais fáceis. “Os pontos fortes e fracos já são bastante conhecidos. Há uma cumplicidade. A negociação tende a ser cooperativa”, explica o professor, que prossegue: “Existem dois tipos de negociação: a cooperativa e a competitiva. A primeira vem no sentido de buscar o que é melhor para os dois: que o fornecedor continue saudável, atuante no mercado e o construtor também. Essa é a condição ideal”, diz.
Quando se está negociando de forma competitiva, no entanto, não há essa preocupação. Deve-se optar por esse tipo de transação, por exemplo, quando é a compra de um produto que não é da linha de produção. Está sendo comprado esporadicamente e não há a necessidade de fidelizar o fornecedor.
O objetivo é somente conseguir o melhor preço. “Isso é muito comum na contratação do serviço de empreiteiras. A busca somente pelo menor valor acarreta, muitas vezes, a falência da empreiteira, incorrendo em obras não entregues ou inacabadas. Mas o comprador conseguiu o melhor preço. Essa situação é muito ruim e delicada”, adverte o professor.
Melhore suas habilidades com nosso Kit de negociação e compras para construção civil
DESAFIOS DA FUNÇÃO
Quando o comprador conhece o produto e o mercado em que está atuando, é comum que tenha condições de identificar qual o limite da negociação para o fornecedor. “O importante é um dos dois ancorar a negociação desde o primeiro desconto. O que normalmente acontece com o vendedor. O comprador sempre ouve e pede desconto, enquanto o vendedor contrapõe com valores mais altos. Cabe ao comprador esperar o vendedor amarrar a negociação. Isso quer dizer, o momento de encerrar a negociação é quando a distância entre a conversa começa a ficar muito pequena e não há mais margem para negociação”, comenta o professor.
É importante para o comprador também entender a importância de sua função dentro da organização. “Nele está a base para uma obra sair no prazo, com qualidade, dentro dos custos previstos etc. Às vezes, por conta de erros na especificação do produto, por exemplo, a compra é mal feita e é mal aplicada na obra. E o fornecedor para de atuar durante a fase de consumo. Aqui, cabe ao comprador continuar atuando nessa etapa de consumo e colaborar com o andamento do projeto”, recomenda Sabino.
Outro erro comum no dia a dia do profissional de compras é estar pouco envolvido no processo de planejamento da obra e, por consequência, acabar comprando com pouquíssimo prazo. “O tempo é um dos principais poderes de uma negociação. E quando ele é escasso, o comprador acaba acelerando o processo e comprando mal. Por exemplo, ele atende o fornecedor por telefone, que cobra um retorno da proposta enviada. E ao invés de o comprador dizer que irá avaliar com calma e entrará em contato depois, decide resolver logo e, normalmente, faz um mal negócio. O que, comumente acontece, é que as margens acabam sendo para o vendedor”, explica o diretor.
PERFIL DO COMPRADOR
De acordo com Sabino, existem quatro tipos de compradores: reflexivo, racional, afetivo e pragmático. “Eles têm características diferentes e é sempre importante que o comprador saiba qual é o seu perfil e também consiga identificar o tipo do fornecedor. Todos eles têm pontos positivos e negativos. Há pessoas que acham que um comprador deve ser enérgico. O que para mim é um tabu. Uma mesma empresa pode ter dois compradores excelentes – um mais tranquilo e outro expansivo, e isso não gera problema algum. O que deve haver é conhecimento – de logística, de questões tributárias, matemática financeira e por aí vai. Ele não precisa ser especialista em todos os assuntos, mas conhecer essas questões é importante”, conclui.
Leia também:
Como integrar Construcompras e Sienge?
Contratação de demolidora exige conhecimento técnico
Comprar exige técnica e conhecimento
Redação AECweb / Construmarket
Colaborou para esta matéria
Rodrigo Sabino Fleury – É diretor Executivo da Conspar Urbanismo. Professor no Curso de pós-graduação da Escola de Engenharia Mauá – IMT (Gestão do Canteiro de Obras – Planejamento e Execução das Contratações) e administrador de Empresas com especialização em Gerenciamento de Projetos.
Possui mais de 15 anos de atuação em obras Industriais de grande porte, residenciais e Infraestrutura Urbana, focado em Gestão de Portfólio, Orçamentos, Planejamento e Controle, Suprimentos e Gestão da Produção. É especialista em implantação de processos de terceirização; Estudos de viabilidade técnico-econômica; Desenvolvimento de técnicas e sistemas construtivos especiais, Gerenciamento de riscos, Gestão de contratos, Supply Chain Analysis.